Resiliência operacional
O surto de Covid-19 colocou em foco a resiliência operacional, principalmente ao expor a fragilidade das cadeias de suprimentos. A dependência do Ocidente em relação à produção asiática nunca foi tão aparente. As empresas tiveram que identificar rapidamente fornecedores secundários, preferencialmente locais, já que as opções logísticas também se fecharam.
Cadeias de valor de suprimentos não podem ser criadas da noite para o dia – especialmente cadeias globalizadas e complexas necessárias para projetos de infraestrutura em larga escala. E o redesenho das cadeias de suprimentos provavelmente não é viável no atual ambiente disruptivo. No entanto, assim que a crise imediata passar, os CEOs de infraestrutura precisarão repensar suas cadeias de suprimentos para desenvolver a maior resiliência possível a choques e disrupções globais.
Paralelamente a algumas medidas mais óbvias – como mudar os relacionamentos baseados em um único fornecedor[1] (sejam eles com países ou empresas individuais) – talvez vejamos mudanças como:
- a introdução de novos critérios de avaliação, como capacidade de resposta e resiliência (juntamente com planos de continuidade de negócios mais abrangentes entre os fornecedores), para complementar os parâmetros existentes, como custo e qualidade.
- implantação de ferramentas de visibilidade da cadeia de suprimentos para dar transparência às restrições de capacidade de fornecedores de primeiro, segundo e terceiro níveis.
- aumento do uso de ferramentas e tecnologias para desenvolver modelos preditivos que permitam fazer agendamento proativo e planejamento dinâmico para lidar com incertezas e riscos.
Além de repensar suas cadeias de suprimentos, as equipes de gerenciamento também precisarão reavaliar sua abordagem de entrega e manutenção de projetos. A Covid-19 levou ao fechamento de canteiros de obras em todo o mundo, com a ativação de planos de segurança para empregados. A proibição de viagens teve impacto direto na disponibilidade de mão de obra. A força de trabalho na indústria da construção é especialmente vulnerável a restrições de trabalho, uma vez que a maior parte do trabalho deve ocorrer no próprio local. No entanto, a suspensão das operações presenciais das equipes também pode acelerar novos tipos de fluxos de trabalho de projetos, como a produção modular e externa.
Levar a construção para outras instalações ou para um ambiente de fábrica abre oportunidades para projetos mais padronizados, processos simplificados e técnicas de produção automatizadas que incorporem tecnologias como robótica avançada e Internet das Coisas. E os defensores da construção modular dizem que ela é mais rápida, segura e eficiente do que a construção e montagem no local.[2]
[1] Por exemplo, a Tesla anunciou recentemente uma parceria estratégica com o fabricante chinês CATL para fornecer baterias de veículos elétricos para a produção do Modelo 3 na China, deixando de lado a relação que mantinha com a Panasonic como fornecedora única.
[2] O edifício modular remove 80% da atividade de construção do local onde ele será erguido.
Adoção de tecnologia
Como mostra nossa série de podcasts Reimagining Capital Projects, o setor de infraestrutura recebe relativamente poucos investimentos em tecnologias avançadas em comparação com outros segmentos intensivos em capital. No ambiente atual, a pressão exercida pela redução de capacidade e pelo aumento dos custos pode incentivar os proprietários de ativos e os gerentes de projeto a acelerar a adoção de tecnologias como inteligência artificial e robótica. Há também uma oportunidade de reduzir as despesas de capital com manutenção usando tecnologias como drones inteligentes. Esses drones diminuem a necessidade de trabalhadores no local, aumentam a segurança e podem melhorar drasticamente a manutenção preventiva, inspecionando e delimitando o trabalho mais rapidamente do que os métodos existentes e fornecendo informações mais detalhadas sobre os reparos necessários.
De maneira mais ampla, a mudança para o trabalho remoto em muitos setores destacou a crescente necessidade de infraestrutura de conexão e tecnologias seguras, resilientes, baseadas em nuvem.[1] O crescente uso da tecnologia em nuvem aumentará a demanda por ativos de transmissão e armazenamento de dados – incluindo redes de fibra, dados, data centers de borda e torres de telecomunicação –já comuns entre os investidores em infraestrutura.
[1] O valor de mercado do provedor de conferências on-line Zoom era de US$ 42 bilhões em abril de 2020 – mais de oito vezes o valor de mercado da British Airways e de algumas das principais companhias aéreas dos EUA.
Preços mais acessíveis
O setor já enfrenta uma redução significativa de gastos com infraestrutura em todo o mundo, principalmente nas economias em desenvolvimento. Sem dúvida, as medidas adotadas para sustentar as economias terão impacto no investimento em infraestrutura, na medida em que gastos inicialmente destinados à construção poderão ser canalizados para iniciativas sociais, como benefícios para desempregados e assistência médica.
Mas também há sinais de que algumas economias maiores estão avaliando investir em projetos de infraestrutura intensivos em mão de obra como parte de seus esforços de estímulo à economia. É provável que essas iniciativas se concentrem em projetos prontos para serem executados, a fim de gerar resultados econômicos rapidamente. O principal desafio para o setor talvez seja identificar os projetos de longo prazo capazes de dar maior sustentação à economia e lidar com as prioridades surgidas nessa pandemia, como a necessidade de maior conectividade digital, infraestrutura robusta de serviços públicos e prestação de serviços de saúde. A capacidade limitada da indústria de construção para entregar esses projetos pode ser outro desafio.
Para projetos financiados por parcerias público-privadas (PPPs), os contratos baseados na demanda – normalmente usados para ativos como aeroportos e rodovias com pedágio – estão se mostrando vulneráveis a choques, enquanto aqueles que têm uma estrutura baseada na disponibilidade estão expostos a orçamentos governamentais reduzidos. É provável que a crise atual leve a uma reavaliação dos riscos de investimento e dos testes de estresse, bem como a um esforço maior de previsão e planejamento de demanda (além de uma transição para modelos mais conservadores de acordos de PPP) e alocação de riscos.
A aversão ao risco no setor privado provavelmente será alta no futuro próximo, e as intervenções dos governos para mitigar as perturbações decorrentes da crise terão impacto na percepção de risco do setor de infraestrutura no futuro. As posições fiscais se deterioraram, mas as necessidades de infraestrutura não. Eliminar as lacunas de infraestrutura tornou-se ainda mais desafiador. A realidade é que essa lacuna era excessivamente cara; muitos se concentraram no financiamento, e não em como deveria ser a amortização. Em um mundo com excesso de tributação e endividamento, a viabilidade de preços é fundamental.
Sustentabilidade
Alguns talvez enxerguem os efeitos da pandemia nas emissões como o tipo de impacto que os ativistas da mudança climática vêm buscando há décadas: fábricas fechadas e aviões no chão, reduzindo os níveis de poluição e revelando paisagens que pareciam perdidas. A pausa foi, obviamente, temporária, ocorreu de maneira insustentável e apenas desvia momentaneamente a atenção das campanhas voltadas para a busca de soluções para uma economia mais limpa. As consequências climáticas da pandemia não são uma panaceia ambiental. Os gases do efeito estufa ainda estão sendo emitidos, os níveis de dióxido de carbono na atmosfera ainda estão em patamar recorde e o planeta ainda está em uma corrida para conter as mudanças climáticas.
Na transição para a economia de baixo carbono, ativos de infraestrutura resilientes ao clima continuam sendo essenciais. As estimativas mostram que cerca de 70% do aumento nas futuras emissões de gases do efeito estufa virão de infraestruturas que ainda serão construídas. Em um mundo ideal, qualquer estímulo relacionado à infraestrutura deve se concentrar em atividades que reduzam o consumo de carbono, como transição de combustíveis fósseis para renováveis, incentivos para métodos de construção mais limpos e ecológicos e promoção de modos de transporte ecológicos. Em outras palavras, os esforços de recuperação podem criar uma oportunidade para avançar a agenda de descarbonização.
Essa agenda também se alinha aos altos volumes de capitais alocados cada vez mais em investimentos com impacto ambiental positivo. Em resposta à crescente pressão de vários stakeholders, muitos investidores em infraestrutura estão fortalecendo seu foco ambiental, social e de governança (ESG, na sigla em inglês) e querem investir em ativos ambientalmente sustentáveis. Além disso, surgiram vários padrões e modelos para integrar fatores relacionados ao clima nas decisões de investimento e redirecionar o capital para projetos ambientalmente sustentáveis. À medida que os relatórios ESG se tornam mais comuns e a pressão política aumenta, é sensato antecipar uma demanda adicional por esses ativos no futuro.
A pandemia e a mudança climática são problemas globais e, em resposta à primeira, há uma oportunidade de desenvolver resiliência para a segunda.
Em suma, embora a Covid-19 tenha submetido o setor de infraestrutura aos testes mais severos, ele permanece essencial como sempre e responderá de acordo com a demanda latente. Ao entender como a pandemia mudou a dinâmica do setor, os líderes podem se posicionar para aproveitar as oportunidades quando a recuperação vier.