Novembro 18, 2021.
Por Thiago Parente
O Acordo do Metano, anunciado na COP26, em Glasgow, é um grande desafio para a pecuária brasileira e, ao mesmo tempo, uma oportunidade para ampliar o ESG no setor. O documento, assinado por mais de 100 países, entre eles o Brasil, estabeleceu o compromisso de cortar em 30% as emissões do gás, apontado como vilão do aquecimento global, até 2030.
Primeiro, é preciso ter em mente que, com a crescente demanda mundial por sustentabilidade, a participação do Brasil, como maior exportador de carne bovina do mundo, reduz o risco de os produtos do país serem alvo de boicotes e imposição de barreiras não tarifárias por parte de países importadores como os europeus.
O metano é um gás de efeito estufa (GEE) mais nocivo e ao mesmo tempo com duração na atmosfera bem inferior ao dióxido de carbono (CO2). Por isso, o corte nas emissões do metano tem efeito mais rápido para frear o aquecimento global.
Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) , o metano tem sido responsável por cerca de 30% do aquecimento global desde a época pré-industrial e, em um período de 20 anos, é 80 vezes mais potente para elevar a temperatura da Terra do que o CO2. Cerca de um terço das emissões deste gás causadas pelas atividades humanas vêm da agropecuária.
No caso da pecuária, a produção do metano pelo gado vem do esterco e das liberações gastro entéricas, ou seja, do processo de digestão dos bois.
É preciso lembrar, no entanto, que as emissões do metano também vêm de setores como o de extração de óleo e gás, dos lixões, dos resíduos nas usinas e da agricultura, como no caso da produção do arroz.
Uma pecuária mais intensiva e eficiente, de ciclo mais curto até o abate, é fundamental para reduzir a produção do gás neste setor. Para isso, os produtores deverão adotar mais tecnologia e capacidade de gestão para alcançar as metas impostas pelo acordo. Esta é uma das oportunidades geradas pelas novas exigências.
De acordo com pesquisadores da Embrapa Gado de Corte, existe um portfólio de tecnologias disponíveis aos pecuaristas brasileiros para atender a essas demandas, como os sistemas integrados de produção (integração pecuária-floresta, por exemplo), o melhoramento genético animal, o manejo e a recuperação de pastagens degradadas, os confinamentos e os aditivos nutricionais. Uma nutrição mais adequada tem grande potencial para reduzir a produção do metano pelos animais.
Pelo lado da mitigação das emissões, a Embrapa mostra o papel da integração pecuária-floresta. A pesquisa aponta que cerca de 200 árvores por hectare seriam suficientes para neutralizar o metano exalado por 11 bovinos adultos por hectare ao ano. Como a taxa de lotação usual no Brasil é de 1 a 1,2 animal por hectare, a quantidade de árvores é mais do que suficiente para mitigar essas emissões.
O cálculo é feito com a conversão do metano gerado pela digestão dos animais em toneladas de carbono equivalente. O carbono retirado da atmosfera com o crescimento das árvores é o que fica fixado no tronco das árvores. Para se saber a quantidade é só estimar o volume de madeira e, consequentemente, a quantidade de carbono fixada pela floresta. Pelos critérios da Embrapa, o sistema ideal deve ter entre 200 e 400 árvores por hectare.
Mas não é só na mitigação que essa prática ajuda a bater as metas do acordo. A presença de árvores influencia ainda no bem-estar animal. A sombra natural, além de bloquear a radiação solar, cria um microclima com sensação térmica mais agradável. Com o conforto térmico, o animal apresenta maior ganho de peso e a produção fica mais eficiente, com um ciclo de vida mais curto, gerando menos metano para produzir a mesma quantidade de carne.
Outra pesquisa também comprova o potencial das técnicas de manejo com suplementação alimentar do gado na redução dos gases do efeito estufa. Estudo desenvolvido pela ONG Imaflora, em Mato Grosso, mostrou que essas práticas junto com a recuperação de pastagens degradadas, aumento da lotação de cabeças por hectare pode reduzir em quase 90% as emissões.
No caso da suplementação alimentar, o trabalho mostra que, a partir do uso de DDG, um subproduto da produção de etanol de milho, a empresa estudada reduziu em 38% as emissões entéricas dos animais.
Após a assinatura do acordo, o governo brasileiro ressaltou também que já possui programas que tratam do tema. Um deles é o Plano ABC+, que tem como meta a redução da emissão de gases de efeito estufa, entre eles o metano. O objetivo é mitigar o lançamento na atmosfera de 1,1 bilhão de toneladas equivalentes de CO2 (medida que inclui todos os GEE) no setor agropecuário até 2030. Outras medidas lembradas foram a Política Nacional de Resíduos Sólidos e o Programa Nacional Lixão Zero, que já contribuíram para o encerramento de 20% dos lixões desde 2019.
Concordo com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) quando destaca que o acordo pode levar a mais um aumento de eficiência da pecuária brasileira. A entidade lembra que, para isso, é importante haver investimentos, também por parte do governo, para que essas tecnologias cheguem mais rápido aos cerca de 2,5 milhões de pecuaristas do país.
O aumento da qualidade e da produtividade das fazendas do país nos últimos anos é inegável. Prova disso é o recorde de exportações, com 2,016 milhões de toneladas em 2020, alta de 8% em relação ao ano anterior, em meio às crescentes exigências do mercado internacional.
Os desafios são grandes, mas está na hora da pecuária de corte (assim como todo o país) abraçar de vez os padrões ESG, conforme têm anunciado diversos frigoríficos. Sem eles, o setor terá dificuldades crescentes no mercado internacional e o Brasil sofrerá com os reflexos na economia. Vendo o ecossistema vibrante de agtechs no país, posso me definir, como diria Ariano Suassuna, um realista esperançoso.
Thiago Parente é co-fundador e presidente da iRancho, trabalhou a maior parte da sua vida em multinacionais de tecnologia atuando nas áreas de banco de dados, inteligência gerencial e de informação. Ex-Sybase, IBM e Oracle, Parente adquiriu uma propriedade em 2011 em Inhumas, no interior de Goiás, e passou a viver a pecuária na prática.
Fez mestrado em agronegócios na universidade Texas A&M em 2014. No ano seguinte, passou a trabalhar na JBS-USA, em Greeley, no Colorado. Em meados de 2016, decidiu que era hora de apostar no sonho de criar uma empresa de tecnologia para pecuária que aliasse os conhecimentos adquiridos de tecnologia, pecuária e agronegócios, nascendo assim a iRancho.