Como atrair e reter talentos nas startups

Em um mercado cada vez mais competitivo, cabe também às startups definir a identidade e o propósito da empresa, além de oferecer um pacote de remuneração atrativo

Fevereiro 3, 2022

Por Rafael Ricarte

A ascensão abrupta dos modelos remotos e híbridos de trabalho, e a consequente e necessária adaptação cultural da sociedade e dos modelos de gestão, estão tornando o mercado cada vez mais versátil. Para muitas atividades, principalmente as que eram realizadas no escritório, as barreiras geográficas para contratação estão caindo dia após dia. 

Além disso, a força de trabalho se mostra menos leal a um único sobrenome corporativo e muito mais exigente com relação às ofertas de valor das companhias. 

Se antes um bom pacote de remuneração e benefícios era suficiente para garantir algum poder de atração e retenção, hoje em dia elementos não-financeiros — como carreira, bem-estar, qualidade de vida e propósito — também pesam na balança. Sem isso, a oferta de valor para muitos profissionais é insuficiente e abre caminho para a rotatividade e grande dificuldade de atração e retenção de talentos.

Quando somamos esse cenário à escassez de mão de obra qualificada (fenômeno já muito conhecido de nós brasileiros, que agora toma contornos apocalípticos em função da acentuada e desesperada transformação digital do mundo), pintamos um ambiente quase que ideal para uma generalizada guerra por talentos.

E essa guerra não poupa nenhuma companhia. Qualquer empresa que tenha planos de crescimento, que deseje contar com profissionais talentosos em sua força de trabalho, ou que esteja simplesmente em operação, está no campo de batalha — e isso inclui as startups. 

Ainda que tenham características peculiares em relação a empresas maduras e estabelecidas, elas não estão incólumes à disputa contemporânea por profissionais e também têm as suas dificuldades particulares.

Uma das perguntas mais repetidas no mundo do RH é a que intitula este artigo: Como atrair e reter talentos? Num cenário como o que vivemos, ela é ainda mais efervescente. E, claro que não há uma resposta única ou mágica, porém, sem nenhuma presunção de alcançá-las, vamos levantar algumas ideias para reforçar o arsenal das startups para atrair e reter talentos no mercado de trabalho cada vez mais competitivo.

  • Defina e viva com honestidade e clareza a identidade e propósito da sua empresa

As definições da identidade e do propósito da sua empresa, ainda que estejam em constante evolução, devem contaminar todas as decisões e diretrizes adotadas nas políticas e práticas de gestão e de recursos humanos. Ter claros esses dois elementos ajuda a startup a desenhar o perfil dos profissionais que busca, para garantir um adequado fit cultural.

Quanto maior o “macro alinhamento” da força de trabalho à identidade e propósito da empresa, maiores são as chances de atração e retenção. Perguntas que podem ajudar são a desenhar esse escopo são: Qual será o nosso nível de apetite a risco? Que grau de tolerância ao erro vamos impor aos times? Preferimos valorizar mais o coletivo ou o individual? Feito é melhor que perfeito? Quais decisões serão centralizadas e quais serão delegadas?

Importante ressaltar um paradigma interessante com relação a este ponto. Em geral, acredita-se que as startups levam vantagem quando se trata desses elementos, já que tendem a oferecer mais autonomia para os times, maior grau de tolerância ao erro e apetite a risco, mais espaço para inovação e criação, dentre outros aspectos vistos positivamente no mundo corporativo atual. 

Mas lembrem-se: a vantagem só existe realmente se você estiver atrás de profissionais alinhados com esses conceitos. O mercado é mais amplo e abrangente que isso, e há uma quantidade enorme de profissionais competentes que desejam, em primeiro lugar, estabilidade, segurança e hierarquia, por exemplo. Tenha clareza do que você pode oferecer e alinhe sua oferta à expectativa dos futuros colaboradores.

A propósito, ter uma estrutura mínima de RH é essencial para retroalimentar esses elementos e para que os fundadores possam focar nas atividades essenciais. Especialmente, continuar liderando pelas ações e polindo as suas estrelas inspiradoras. 

  • Estruture uma pacote de remuneração e benefícios sensato e atraente

A remuneração faz parte da base da pirâmide de gestão de RH. E, sejamos honestos, se o básico não estiver redondo, não adianta muito falar sobre outros aspectos. E, se o senso comum diz que este deve ser o campo onde as startups levam alguma desvantagem, pelo menos no raciocínio clássico, vale a pena se debruçar sobre o assunto. 

Dependendo da fase, a dificuldade ou até inexistência de caixa saudável podem minar a capacidade da startup de oferecer pacotes de remuneração alinhados com o mercado. Mas antes de sair tirando conclusões, o acesso a pesquisas confiáveis são um bom ponto de partida para avaliar o cenário do mercado e definir um ponto de chegada com relação ao nível de remuneração desejado.

Uma saída criativa e que tem se mostrado sustentável no Brasil e no mundo é oferecer participação societária à força de trabalho. A prática é mais comum para contratações estratégicas em nível de diretoria e C-Level, por exemplo. Contudo, dependendo dos arranjos e das capacidades financeiras, uma potente arma de atração e retenção é oferecer opções e ações a profissionais-chave ou que vierem a ocupar posições chave e, por que não, a toda a força de trabalho.

Muitos acreditam que é difícil encontrar outro modelo de remuneração com maior alinhamento de interesses, visão de dono e “skin in the game” do que os que transformam a força de trabalho em dona de uma parcela do negócio. Só não podemos nos esquecer que oferecer participação acionária com potenciais ganhos de longo prazo, ainda que substantivos, para um profissional que careça de caixa no curto prazo ou que não tenha apetite a risco será inócuo ou até contraprodutivo.

Oferecer premiações e reconhecimentos por projeto ou por entregas, conectando os incentivos ao dia-a-dia e tangibilizando a forma como os profissionais e equipes contribuem na geração de valor é uma outra forma de se diferenciar no campo de batalha, já que as empresas maduras e tradicionais, em geral, tendem a oferecer o bônus anual como forma de incentivo mais convencional.

Por fim, descentralizar as decisões com relação a salários também é uma prática pouco convencional e que pode fortalecer o contrato. Ainda que seja um modelo mais chocante para a realidade brasileira, já que salário é sim um de nossos maiores tabus, oferecer a possibilidade de a própria equipe decidir quem merece mais ou menos no que diz respeito a aumentos e bonificações traz os profissionais para a gestão e gera mais compromisso e confiança na liderança.

  • Desenvolva talentos internamente, por meio de parcerias ou pegue emprestado

Estudos mostram que construir um talento é muito mais barato do que comprar um talento. Porém, ao mesmo tempo, essa prática exige paciência e resiliência da liderança. Paciência porque trata-se de um programa com resultados no longo prazo, e resiliência pois em momentos de “vacas magras” é comum que programas como esses sejam os primeiros a serem cortados. 

Além de menos oneroso financeiramente, desenvolver talentos, em geral, gera profissionais mais engajados e comprometidos, as chamadas “pratas da casa”.

Muitas startups, e até companhias mais maduras, têm se utilizado de parceiros para construir seus talentos, principalmente nas áreas de tecnologia. Algumas companhias especializadas em desenvolvimento de habilidades de programação, por exemplo, elaboram programas robustos e intensivos para rápida e sólida formação de profissionais através de bootcamps, hackathons e outras ferramentas modernas, com o custo dos programas sendo compartilhado ou rateado entre múltiplos patrocinadores.

Uma pergunta a ser feita também é: “preciso realmente contratar?” E se a resposta for “não” ou “não tenho certeza”, os contratos intermitentes e a contração no modelo PJ (pessoa-jurídica) são opções para deixar os custos mais leves e adaptáveis às mudanças do negócio, sem perder a qualidade e musculatura necessária para a operação.

Ainda menos convencionais, os empréstimos de profissionais entre empresas de setores diferentes e até concorrentes ganharam espaço durante a pandemia. Trata-se também de uma possibilidade interessante para conferir agilidade e flexibilidade às startups em momentos de volatilidade de demanda e de projetos.

  • Conheça, comunique e fortaleça adequadamente a sua oferta de valor (e hiper customize-a ao máximo!)

Os contratos de trabalho são simples acordos onde uma parte vende o seu tempo para outra por um preço previamente estipulado. A despeito das diferentes pressões e dificuldades para ambos os lados, a mágica do “casamento” acontece quando o preço é adequado para o colaborador e a empresa. 

Entretanto, muitos desses contratos são ineficientes, causam insatisfação para uma das partes ou acabam sendo rompidos quando o profissional se atém apenas ao salário acordado (e é aqui que gostaria de deixar a mais sonora reflexão…). O preço pago pelas horas de dedicação não é só o salário, e sim tudo – absolutamente TUDO – o que a empresa oferece para a força de trabalho em troca de seu tempo.

Lançando mão de um exagero e até de uma ironia para exemplificar, oferecer um café agradável numa entrevista pode fazer a diferença quando um profissional avalia duas oportunidades de trabalho. O café, aqui, é um pequeno artefato de uma alegoria chamada experiência, que nada mais é do que como o profissional percebe ou interage com a empresa em todos os momentos, sem exceção. 

Um diálogo com o chefe, a facilidade de inserir dados num sistema ou receber o auxílio alimentação. Nenhum desses itens escapa do arcabouço chamado “experiência do profissional”. 

Aliás, uma ideia emprestada das teorias econômicas, o “tudo o mais constante”, é um exercício mental que auxilia os RHs e lideranças a pensarem e repensarem cada detalhe de sua oferta de valor. Se duas ofertas de trabalho forem idênticas, é necessário buscar a diferenciação onde for mais relevante para o indivíduo em questão. 

Pode parecer óbvio o “prefiro um ambiente mais agradável a um nocivo”, mas as percepções de agradável e nocivo são individuais, logo temos que conhecer muito bem as expectativas e necessidades da força de trabalho. 

Assim, a maior e mais importante de todas as tendências e armamentos que as startups podem fazer uso na guerra por talentos é a hiper customização da sua oferta de valor. Ou seja, lançar mão de algo que conseguem fazer com maestria já nos negócios: flexibilizar e individualizar as suas políticas de RH o máximo possível. 

Alguns exemplos são: ter benefícios e remuneração flexíveis, regras de atuação flexíveis e dar poder de decisão aos profissionais, o que envolve desde a gestão do seu tempo até, por exemplo, a distribuição de bônus e orçamentos de mérito, como já mencionei.

A política de RH se constrói a cada dia. Anote num post-it para se lembrar: definir a identidade e propósito; ter uma estrutura mínima de RH; oferecer um pacote atrativo de remuneração, através de sociedade ou mecanismos flexíveis; desenvolver ou emprestar talentos e hiper customizar a oferta de valor no nível do indivíduo são boas munições para se ter no arsenal de qualquer startup. 

Rafael Ricarte é Líder de Produtos e Inovação da área de Carreira da Mercer Brasil, conduzindo o time responsável pelo desenvolvimento, gestão e comercialização do portfólio de soluções digitais, plataformas, pesquisas e benchmarks de RH. É também professor convidado da PUC-MG e porta-voz da Mercer para temas de RH em geral. 

Graduou-se em Administração de Empresas pelo Mackenzie, possui MBA em Economia pela FGV e Pós-Graduação em Transformação Digital, Novas Tecnologias e Agilidade pela FIA. Hoje, atua ainda como mentor do AgTech Garage, InovaBra, Cubo e Endeavor.

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Dirceu Ferreira Junior

Dirceu Ferreira Junior

COO do PwC Agtech Innovation e sócio, PwC Brasil

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