Setembro 15, 2022
Por José Ednilson de Oliveira Cabral, Maria do Socorro Rocha Bastos e Antônio Genésio Vasconcelos Neto
Uma das tendências mundiais de consumo mais relevantes na atualidade é a busca dos consumidores por alimentos que tragam praticidade e conveniência, mas sejam ao mesmo tempo saudáveis.
Os alimentos de conveniência atraem os consumidores pela facilidade de uso, variedade e disponibilidade constante. Isso sem falar que poupam tempo de preparação e dispensam a necessidade de habilidades culinárias. Os números confirmam isso: a receita mundial com alimentos convenientes alcançou a cifra de US$ 562,2 bilhão de dólares e estima-se que esse mercado crescerá a uma taxa anual de 6,21% no período de 2022 a 2027.
Por sua vez, mudanças nas características demográficas da população mundial, como a maior expectativa de vida com envelhecimento, junto com as mudanças econômicas, tecnológicas, entre outras, fizeram surgir uma nova era onde alimentar-se com saudabilidade tornou-se um imperativo.
Esse é um fenômeno mundial. Nos EUA, conveniência e saúde serão as principais prioridades para os consumidores; com saúde contemplando uma visão mais holística, onde se inclui a saúde física, mental e emocional. Já o mercado britânico de alimentos, por exemplo, é influenciado pelas tendências de consumo envolvendo uma busca por conveniência associada à promoção da saúde. Mas aí começa o paradoxo (sobre o qual iremos nos aprofundar mais adiante). Na Europa, de maneira geral, os consumidores estão direcionando seu consumo cada vez mais para alimentos convenientes processados com maior valor agregado (e aí começa o paradoxo sobre o qual vamos nos debruçar mais adiante).
E o Brasil não fica de fora, e acompanha essas tendências. Os brasileiros estão até mais preocupados com a saúde do que a média global. Uma pesquisa recente com 18 mil pessoas de 18 países evidenciou que 79% dos brasileiros priorizam a saúde e a nutrição em sua vida, índice mais elevado do que os apresentados no Reino Unido e nos Estados Unidos. Assim, com a contínua globalização dos mercados mundiais, os gostos e preferências dos consumidores por alimentos tendem a se tornar mais homogêneos, incluindo, em particular, a tendência por alimentos convenientes e saudáveis. No Brasil, cerca de 50% da população também está reduzindo o consumo de produtos de origem animal.
Para muitos estudiosos e empresários do setor, os gostos e preferências por produtos alimentícios são definidos ao longo do tempo sob a influência de uma série de fatores, como os culturais, de produção, de renda, entre outros.
Apesar de não se alterarem tão facilmente quando comparados a produtos não alimentícios, esse padrão de consumo também é dinâmico e se altera conforme se alteram esses fatores. Nesse sentido, as preocupações com questões de saúde e conveniência provavelmente estão na mente dos consumidores como nunca estiveram anteriormente, levando alguns observadores a contemplá-las como parte de movimentos exponenciais que estão mudando o mundo.
As evidências são de que, cada vez mais acentuadamente, os consumidores estão buscando alimentos e bebidas mais frescos e menos processados, que combinem saudabilidade, sabor e sejam poupadores de tempo.
Os resultados de uma pesquisa ampla no mercado britânico mostrou que os dez produtos com maior aumento na demanda subjacente do período pesquisado estão mais ou menos ligados à conveniência e/ou orientações de saúde enquanto que, em nítido contraste, todos os dez produtos alimentícios que apresentaram o maior declínio na demanda subjacente ao longo dos anos estão ligados ao grupo de alimentos menos convenientes ou saudáveis2.
Se de um lado é impossível, hoje, ignorar o fato de que alimentos saudáveis estão no centro das preocupações dos consumidores, de outro lado, a conveniência também constitui uma forte demanda particularmente em função da vida agitada e das amplas ofertas de alimentos pré-prontos que a indústria oferece.
E essa demanda combinada por saudabilidade e conveniência impõe desafios e oferece oportunidades, cabendo à indústria de alimentos introduzir novos itens na prateleira, com maior agregação de valor. Assim, deve haver um equilíbrio.
A moral da história é que a conveniência deve receber uma consideração importante das empresas de alimentos, já que os consumidores estão valorizando cada minuto de seu precioso tempo. Porém, esses mesmos consumidores se moveram para buscar além da conveniência a saudabilidade, ou seja, preferindo alimentos convenientes com valores extras em termos de frescor, benefício à saúde e credenciais éticas. Ou ainda, querem viver uma vida mais consciente, escolhendo alimentos com menos sódio, açúcares, gorduras animais e aditivos, substituindo-os por alimentos com nutrientes funcionais naturais ou adicionados, como ômega 3, minerais e vitaminas.
O mote da saúde e conveniência não surgiu por acaso. Enquanto um número crescente de pessoas vem acelerando seus movimentos, tanto no dia de trabalho quanto no tempo privado, uma parcela expressiva, conscientemente quer desacelerar suas vidas. Essa contradição gera o paradoxo da popularização da comida de conveniência, especialmente entre pessoas jovens e ágeis, com o “contramovimento” que apoia o “slow food” e a sustentabilidade na alimentação.
Assim, enquanto o estilo de vida, a exemplo de pessoas morando sozinhas, exerce um predomínio sobre a conveniência, mudanças demográficas como o aumento da expectativa de vida e a crescente idade média da população mundial tendem a orientar pela busca da saudabilidade.
Parece paradoxal, pois enquanto conveniência relaciona-se com alimentos processados que em muitos casos requerem conservantes e aditivos, a saudabilidade significa um comprometimento dos consumidores com a nutrição e a busca de alimentos com qualidade.
Porém, os dois lados também se complementam pois a escolha entre conveniência e saudabilidade pode representar uma falsa dicotomia, principalmente quando se observa o avanço tecnológico no desenvolvimento de produtos embalados para consumo nos últimos anos, com baixo teor de gordura, baixas calorias, preservação das características naturais da matéria-prima, etc. Dito isso, a questão é como lidar com esse paradoxo.
No sentido de atender à demanda do mercado, a Embrapa Agroindústria Tropical conta com um conjunto de propostas, que preenchem os aspectos de conveniência e saudabilidade, e atendem um segmento expressivo de consumidores. Nesta ótica, as tecnologias geradas pela unidade podem ajudar o setor de alimentos a ter um alcance maior no desenvolvimento de ativos entregues à sociedade.
Localizada em Fortaleza (CE), a Embrapa Agroindústria Tropical tem por objetivo principal viabilizar o desenvolvimento tecnológico com impactos positivos no sistema produtivo agroindustrial. Dentro deste universo, dedica-se prioritariamente a três principais focos de atuação: desenvolvimento de insumos para pequenas e médias agroindústrias; valorização da biodiversidade brasileira; e a agroindústria de primeira transformação, que origina produtos semiacabados.
Leite de amêndoa de caju (Foto: Ana Elisa Sidrim)
Várias pesquisas na área de alimentos têm buscado ampliar a oferta de produtos que atendem aos requisitos de conveniência, praticidade, sensorialidade e saudabilidade dos consumidores. Alguns exemplos são os alimentos funcionais, e outras frentes relacionadas. Produtos funcionais trazem o apelo de saudabilidade por meio de processos tecnológicos e comprovação com ensaios clínicos que comprovem os benefícios à saúde.
Um exemplo é o produto prebiótico de caju e yacon, de grande potencial para a modulação do microbioma intestinal. O outro é um óleo de amêndoa da castanha de caju que apresenta características sensoriais de um óleo “gourmet” e de perfil de ácidos graxos similar ao de azeite de oliva.
Outro ativo interessante são as amêndoas de caju quebradas, que possuem um menor valor comercial, mas podem ser usadas no desenvolvimento de bebidas tipo leite, concentrado proteico e isolado proteico. Este aproveitamento agrega valor à cadeia produtiva do caju, aumenta a disponibilidade de alimentos e atende pessoas com intolerância e vegetarianos.
Processos que envolvem o enriquecimento de alimentos a partir da adição de fibras também são uma tecnologia disponível, e podem reduzir o índice glicêmico e outros problemas relacionados à saúde. Um exemplo é a comprovação da funcionalidade do maracujá silvestre (Passiflora tenuifila Killip) com grande importância nutricional, sendo estudado por apresentar uma possível propriedade na prevenção de tremores em idosos. Mais um estudo nesta linha é do efeito hipoglicemiante, como alternativa dietética para pacientes com diabetes, doença crescente e de prevalência mundial. Estes estudos foram feitos com tamarindo, tanto desidratado como em suco, com avaliação da funcionalidade in vivo em ratos diabéticos.
Outras tecnologias, alinhadas a essas tendências, devem despontar proximamente, a exemplos de novos produtos com proteínas alternativas em substituição à carne, os denominados plant-based. Neste sentido a Embrapa Agroindustria Tropical vem liderando vários projetos de pesquisa com parceiros como instituições de pesquisa e o Good Food Institute buscando transferir conhecimentos e tecnologias para as agroindústrias.
Isto dado que a tendência é que fontes alternativas de proteína ganhem espaço no mercado em futuro próximo, ou seja, carne cultivada em laboratório, proteína vegetal, entre outros, podem corresponder a 50% do mercado de proteínas em 2040⁸.
Óleo de amêndoa de castanha de caju (Foto: Janice Ribeiro Lima)
A aceleração da expansão das foodtechs indica que os empreendedores brasileiros estão compreendendo a oportunidade e as tendências relacionadas à conveniência, praticidade, sensorialidade e saudabilidade dos alimentos. O elevado crescimento das startups atuando no segmento de alimentos inovadores e novas tendências alimentares evidencia esta percepção.
O Radar Agtech Brasil 2020/2021 mostra um aumento de 40,8% das startups atuando no elo “depois da fazenda” da cadeia produtiva agropecuária, representando 19% do total do portfólio mapeado. Na avaliação dos elos da cadeia produtiva do setor agropecuário – antes, dentro e depois da fazenda – este último é o que conta com maior quantidade de startups.
Buscou-se apresentar, neste artigo, as linhas de pesquisa e tecnologias da Embrapa Agroindústria Tropical alinhadas às tendências de consumo da atualidade, tanto no contexto global como brasileiro, a partir das áreas de competência de seu corpo técnico e infraestrutura laboratorial.
Atuando no contexto de cadeias produtivas vegetais, mais especificamente fruticultura tropical, o centro de pesquisas oferece soluções para os diversos elos, indo desde a adequação da matéria-prima no campo, insumos e ingredientes industriais, produtos prontos para consumo, bem como desenvolvimento de co-produtos a partir de rotas tecnológicas associadas às linhas de produção já existentes.
A intenção é não só ofertar resultados de pesquisas para o setor produtivo, mas também atuar na cocriação junto com produtores, startups e empresas de maneira geral, de forma ativa, visando atender dores das propriedades rurais, de processos produtivos empresariais ou de grupos de consumidores específicos.
Referências
1 https://www.statista.com/outlook/cmo/food/convenience-food/worldwide
2 https://www.preparedfoods.com/articles/126385-convenience-and-health-to-be-top-priorities-for-us-consumers
3 https://www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/00070700410516793/full/html
4 https://ideas.repec.org/p/ags/umciwp/14362.html
5 https://www.foodconnection.com.br/consumo/e-book-disputa-de-mercado-por-saudabilidade
6 https://exame.com/negocios/startups-voando-proteina-alternativa-veganos-flexitarianos/
7 https://www.innovamarketinsights.com/blog/emerging-markets-ready-to-embrace-convenience-of-all-kinds/
8 https://bdingredients.com/convenience-food-and-beverage-products/
9 https://www.embrapa.br/agroindustria-tropical
10 Startups que desenvolvam e disponibilizem alimentos com melhores índices nutricionais, utilização de ingredientes substitutos e nova utilização de ingredientes já existentes. https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/handle/doc/1143147
José Ednilson de Oliveira Cabral é Administrador de Empresas, PhD em Economia de Tecnologia e Agroalimentar e Pesquisador da Embrapa Agroindústria Tropical em estudos de inovação.
Maria do Socorro Rocha Bastos é Engenheira de Alimentos, Doutora em Ciência e Tecnologia de Alimentos, Pesquisadora da Embrapa Agroindústria Tropical em estudos com Embalagens de Alimentos. Atualmente é presidente do Portfólio de Alimentos da Embrapa.
Antônio Genésio Vasconcelos Neto é Administrador de Empresas, Doutor em Cadeias Produtivas e Inovação, Analista e Chefe de Transferência de Tecnologias da Embrapa Agroindústria Tropical.