Para chegar a ser líder no mercado plant-based, Brasil precisará investir em pesquisa e inovação

Potencial do país é inegável, como grande produtor de grãos e pulses, celeiro de foodtechs renomadas e gigante na indústria frigorífica, que não poupa investimentos no setor

Março 16, 2022

Por Viviane Taguchi

Uma passadinha no supermercado e o consumidor percebe que, no corredor das carnes e laticínios, o espaço destinado aos produtos plant-based, itens fabricados com proteína de origem vegetal, só aumenta. 

Em embalagens ecológicas (de papel ou plástico biodegradável, que fazem parte do conceito sustentável do plant-based), os produtos que imitam carnes e até ovos, tudo vegetal, entram no carrinho de consumidores com dietas versáteis. 

A tendência é global. A produção e o consumo de alimentos plant-based está aumentando no mundo desde a chegada do hambúrguer vegano “com gosto e textura de carne de verdade” às redes varejistas e fast foods norte-americanos, em meados de 2011. No Brasil, os produtos ganharam força a partir de 2016 com a entrada desses produtos em supermercados que atendem a classe A e lançamentos em redes de fast food, como Burguer King e Bobs. 

O Brasil é o 3º mercado mais importante para o setor e tem potencial para liderar em alguns anos, por três motivos principais: (1) é produtor agrícola de pulses, que são grãos usados como base proteica (ervilha, feijão, lentilha, grão-de-bico); (2) é a casa de foodtechs com crescimento acelerado, como a Fazenda do Futuro, The New, N.Ovo, R&S Blumos, entre outras (3) e, em paralelo, conta com frigoríficos como JBS, Marfrig e BRF que também apostam no setor, devido à alta demanda. 

Por fim, um fato curioso: 52% dos brasileiros, segundo o Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião, Pesquisa e Estatística), se considera flexitariano, o grupo que não é 100% vegetariano nem 100% carnívoro, mas puxa esse mercado.

Cardápio variado 

De acordo com o relatório Rise of Plant-Based Eating and Alternative Proteins da empresa de pesquisas Euromonitor International, mais pessoas passaram a se considerar “flexitarianas” e estão dispostas a reduzir o consumo de proteínas animais, embora não abdiquem de um bom filé de frango ou um churrasco de domingo. 

No mundo todo, 1 em cada 4, ou  23% dos consumidores, buscam limitar o consumo de carne e os motivos variam: 37% dos entrevistados disseram que consomem plant-based para se sentirem mais saudáveis e 21%, devido à preocupação com o meio ambiente e o bem-estar animal.

O ritmo de crescimento desse mercado, contudo, ainda é incerto. O Credit Suisse, banco suíço de investimentos, projetou que até 2050, o segmento plant-based deve passar dos atuais US$ 14 bilhões para US$ 1,4 trilhão.  O banco afirma que a conscientização da população em torno do uso de recursos naturais e as mudanças climáticas “pressionam para uma mudança de hábitos alimentares, para dietas baseadas em vegetais, com uma intensidade de emissões menores”. 

Mas também há quem já ponha em dúvida o crescimento exponencial no médio prazo, diante da queda recente no consumo dos produtos plant-based. “Estamos vendo uma desaceleração acentuada no desempenho da categoria de proteína à base de plantas, o que pode sugerir uma mudança sistêmica nas taxas de crescimento extremamente altas esperadas pela indústria”, disse Michael McCain, presidente e CEO do Maple Leaf Foods em setembro de 2021. O grupo vinha investindo forte em produtos livres de animais, mas sinalizou um possível recuo após três trimestres consecutivos de quedas nas vendas. 

De julho a setembro de 2021, as vendas de produtos vegetais do conglomerado caíram 6,6% ante o mesmo período do ano anterior. De abril a junho, tinham caído 20,7%. De janeiro a março, 8,1%. Enquanto isso, no terceiro trimestre fiscal de 2021, os produtos cárneos do portfólio da Maple Leaf Foods geraram uma receita 13,4% maior na mesma comparação.

No Brasil, o segmento plant-based cresceu 11,1% ao ano entre 2015 e 2020, segundo a Euromonitor. O faturamento, que era de US$ 48,8 milhões em 2015, passou a US$ 82,8 milhões em 2020, aumento de quase 70%, e até 2025, a expectativa é que esse mercado atinja um valor de US$ 131,8 milhões. 

Outro estudo, realizado pelo Ibope e coordenado pelo The Good Food Institute Brazil (GFI), aponta que o Brasil tem ganhado mais adeptos do flexitarianismo. Segundo Raquel Casselli, gerente de engajamento do GFI, a maioria dessas pessoas são mulheres (54%), jovens (52%) que moram, principalmente, na região Nordeste (53%). 

“Isso quer dizer que metade dos brasileiros reduziu o consumo de carne, no entanto, 47% das substituições são feitas com legumes, verduras e grãos. As alternativas vegetais correspondem a 39%, quando considerada a substituição pelo menos três vezes na semana”, diz. Esse percentual, ela acredita, deve-se ao preço dos produtos, em média três vezes acima dos alimentos tradicionais.

Raquel Casselli: Preço dos produtos ainda é um desafio para introdução do plant-based na dieta dos brasileiros

Os dados foram publicados em 2020, mas segundo ela, em 2021, o comportamento dos consumidores se repetiu, fortalecendo o segmento. “De maneira geral, percebemos que o público jovem, os millenials, que são menos apegados às tradições e abertos a experimentar, está repensando as suas escolhas e pode influenciar o resto da família”.

Da soja para a ervilha, grão de bico e, agora, feijão

Substituir os produtos de origem animal por versões vegetais não é novidade, mas até alguns anos, as opções se resumiam a produtos feitos a partir da soja. De acordo com a pesquisadora Melícia Galdeano, da Embrapa Agroindustrial (RJ), nos anos 1970, o extrato de soja já era uma opção ao leite. “O consumidor atual é mais informado, mais exigente e consciente”, afirmou. “Com as foodtechs, pesquisa e inovações, as opções de produtos e matérias-primas dão ao consumidor inúmeras oportunidades”.

O feijão é uma das matérias-primas que pode ganhar mais espaço no mercado plant-based nacional e exportado pelo Brasil (Foto: Wenderson Araújo/ CNA)

Os produtos atuais são feitos a partir de pulses, leguminosas secas como ervilha, lentilha, feijões, grão-de-bico, além de beterraba, arroz, óleos de coco, canola e girassol. “Os consumidores não querem mais saber da soja, que pode ou não ser transgênica”, diz. 

De acordo com Melícia, existe uma grande variedade de matérias-primas disponíveis no Brasil com potencial para atender a demanda por novas fontes de proteínas: feijão, gergelim, caju, girassol, sorgo, aveia, centeio, cevada, trigo e batata. 

Mas ainda faltam estudos para a definição de processos de extração e pesquisas acerca de novos produtos"

O GFI e Embrapa pesquisam a utilização de feijões brasileiros como alternativa à ervilha, ainda importada e que impacta o custo de produção. Em dezembro do ano passado, a foodtech R&S Blumos lançou o Pão de Feijão com a tecnologia batizada Carnevale, para ter gosto, aroma e textura de pão de queijo.

“Existe uma enorme variedade de feijões produzidos no Brasil, em três safras, que podem substituir o pó de ervilha na elaboração de produtos plant-based, fazendo com que o custo desses alimentos seja reduzido”, afirmou Fernando Santana, co-fundador da R&S Blumos, no lançamento do produto, em evento com produtores de feijão. “Se, no setor tradicional agrícola, o produtor de feijão está tendo dificuldades, o segmento plant-based surge agora como alternativa de mercado”.

Em fevereiro, em Cascaval (PR), a foodtech lançou ainda o Wrust, uma proteína vegetal de feijão com preços competitivos. “Alcançar a paridade de preços é vital para a adoção em massa, porque os consumidores são mais propensos a experimentar uma nova opção à base de plantas que não é muito mais cara do que sua contraparte de origem animal”, disse Santana. 

Foodtechs e frigoríficos na corrida veggie 

As foodtechs Beyond Meat e Impossible Foods foram as pioneiras do setor nos Estados Unidos, levando o hambúrguer vegano “com gosto e textura de carne de verdade” a redes de fast food e de varejo. A Beyond, em 2021, teve uma queda em suas ações por não atingir as metas, mas especialistas de mercado apontam o fato a erros de gestão, e não ao esfriamento do setor. Até dezembro, essas foodtechs estavam avaliadas em US$ 6,6 bilhões e US$ 7 bilhões, respectivamente.

No Brasil, a Fazenda do Futuro, do empresário Marcos Leta (que já havia fundado a Sucos Do Bem, vendida para a Ambev) foi criada em 2019 e já ultrapassa R$ 2,2 bilhões de valor de mercado (em novembro, recebeu aporte de R$ 300 milhões). Além de hambúrgueres, produz almôndegas, atum, carne moída e pedaços de frango com beterraba, ervilha, óleo de coco, canola e soja. Leta afirma que quer competir no mercado americano (já está presente em 23 países) e aposta no sucesso porque, no final, os produtos brasileiros têm preço mais acessível que os dos concorrentes. A diferença entre os hambúrgueres chega a US$ 2,50 por unidade.

Se, no início eram as foodtechs propunham uma disrupção no setor, agora a indústria plant-based já está lado a lado com as gigantes de proteína animal. Marcas tradicionais do setor vêm fazendo investimentos ou pelo menos estão de olho nessas startups, como a JBS (que comprou a holandesa Vivera), BRF (que firmou parceria com a R&S Blumos) e Marfrig e ADM (que criaram a joint-venture Plant Plus Foods e já investiram na canadense Sol Cuisine e na americana Hilary’s). 

Plant-based para comer… e beber 

No interior de São Paulo, produtores de macadâmia se lançaram no segmento das bebidas plant-based com a BentíFoods, que produz “leite” de castanhas e cacau. “É um segmento em plena expansão e a pandemia trouxe um senso de urgência nos consumidores, a necessidade de consumir produtos clean label”, argumenta Maria Teresa Camargo.

As bebidas vegetais também têm encontrado seu espaço no mercado de nicho plant-based (Foto: Bentí)

“A matéria-prima vem da nossa fazenda e os demais ingredientes, de produtores parceiros, que apostam na produção de orgânicos. É esse tipo de produto que o consumidor moderno quer e está disposto a pagar”.

No setor das bebidas, foodtechs como a Bentí, A Tal da Castanha, Vida Veg, a chilena Not.Co (primeiro unicórnio do setor na América Latina — avaliado em US$ 1,5 bilhão), entre outras, também alavancaram o segmento plant-based e abriram as portas para a entrada de grandes marcas, como Danone, Vigor, Ades e Nestlé. 

Em 2021, de acordo com um levantamento da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), 12,7 milhões de litros de bebidas plant-based foram consumidos no Brasil, um crescimento de 15,2% em relação a 2020. De 2016 a 2021, o crescimento da categoria foi de 540,6%. 

Para 2022, a expectativa é que as inovações invadam o mercado de bebidas, tais como a bebida plant-based da cearense A Tal da Castanha, ou a que tem quantidades de proteínas e cálcio semelhantes aos do leite de vaca da VidaVeg. A Nestlé anunciou 12 lançamentos plant-based neste ano, associados à sua marca de cafés. 

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Maurício Moraes

Maurício Moraes

Sócio e líder do setor de Agronegócio, PwC Brasil

Dirceu Ferreira Junior

Dirceu Ferreira Junior

COO do PwC Agtech Innovation e sócio, PwC Brasil

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