Ciência agropecuária brasileira e Objetivos do Desenvolvimento Sustentável: o desafio da inclusão sócio produtiva

Apesar dos avanços na agricultura tropical, o acesso à tecnologia no campo está longe de ser uniforme

Setembro 21, 2023

É necessário investigar e compreender melhor os motivos pelos quais as tecnologias não são adotadas, do ponto de vista dos produtores (Foto: CNA/ Agrobrazil/ Marcos Giesteira)

Por Ana Euler, Ana Costa, Alineaurea Silva e Julia Stuchi

Por volta de 2015, os países que integram as Nações Unidas, entre eles o Brasil, consultaram seus habitantes para saber o que eles gostariam para si, para seus familiares e para o planeta. As respostas foram analisadas e os anseios foram classificados em 17 objetivos de forma a abarcar todas as frentes consideradas importantes para que as pessoas pudessem ter uma vida digna, saudável com respeito ao meio ambiente. Foi pactuada, então, entre os 193 países membros, a Agenda 2030 da ONU, composta pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

Para viabilizar o alcance dos ODS, eles foram desdobrados em 169 metas a serem atingidas até 2030. Um desafio global que envolve nações, empresas, instituições e demanda a ampla conscientização das pessoas quanto à necessidade de mudar comportamentos, hábitos e pensamentos. 

A Agenda 2030 propõe esforços globais para assegurar que a sociedade seja mais inclusiva, justa e sustentada em modelos de desenvolvimento que respeitem e preservem os recursos naturais e todo tipo de vida na Terra. Neste contexto, a ciência possui um papel fundamental inegável, pois é por meio dos avanços do conhecimento científico que superamos as dificuldades tecnológicas que limitam a adoção de práticas sustentáveis, principalmente quando se trata do setor agropecuário.

Mas estamos, de fato, avançando?

A Cúpula de Ciência da 78ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas (Science Summit at the 78 United Nation General Assembly, SS-UNGA78, na sigla em inglês) tem o propósito de criar um ambiente favorável para o intercâmbio de experiências entre os países no que concerne ao desenvolvimento científico e tecnológico com foco no alcance das metas dos ODS. 

Porém, ainda estamos longe de cumprir os objetivos e é urgente encontrar soluções para mudar a atual trajetória. Segundo informações divulgadas recentemente pela ONU, apenas 12% das ações ligadas aos ODS estão no caminho certo.

No final do século XX, o Brasil investiu fortemente no desenvolvimento científico e tecnológico para viabilizar a autossuficiência nacional em termos de produção agrícola. Os resultados alcançados após décadas da aliança entre a configuração de políticas públicas e a produção altamente qualificada em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), foram de grande impacto. Para ficar em apenas dois exemplos, podemos citar a transformação dos solos ácidos do Cerrado em áreas agricultáveis e a geração de variedades adaptadas às condições tropicais. 

Na primeira década do século XXI, percebe-se uma mudança no foco das políticas públicas para o setor agropecuário nacional. Passa-se a incentivar o desenvolvimento de tecnologias capazes de, ao mesmo tempo, promover o aumento da produtividade; permitir a redução do uso de insumos, principalmente daqueles comprovadamente prejudiciais ao meio ambiente; combater o desmatamento, e, em suma, promover maior sustentabilidade ambiental, sem causar perdas econômicas ao produtor rural. 

Mais recentemente, nota-se a necessidade de empreender esforços para viabilizar e ampliar a adoção tecnológica, tendo como estratégia principal os modelos que contam com a pesquisa em conjunto com as comunidades diretamente interessadas, de modo que ao final do estudo a tecnologia já esteja inserida no contexto produtivo. Além desse aspecto, um grande passo a ser dado para o alcance dos ODS seria ampliar os espaços de intercâmbio e co-construção de conhecimentos junto aos segmentos representativos da agricultura familiar em suas variadas vertentes e formas de ação.

É sabido que existe uma grande dificuldade de adoção tecnológica, que afeta principalmente comunidades tradicionais, povos originários, ribeirinhos, assentados da reforma agrária e outros arranjos observados sobretudo no segmento da agricultura familiar. E essa realidade deve ser confrontada com os portfólios de tecnologia das instituições de pesquisa, que têm sim um  número considerável de soluções já disponíveis, mas que ainda não alcançam efetivamente essa camada do setor produtivo. 

É importante investigar e compreender melhor os motivos pelos quais as tecnologias não são adotadas. Considerando o ponto de vista dos produtores, pode haver a percepção de que as tecnologias são desnecessárias ou inadequadas para seus contextos, ou que não proporcionariam ganhos ou benefícios que justificassem a utilização. 

Democratizando o acesso

Constatada essa barreira para a democratização do acesso à tecnologia, o reforço de espaços sociotécnicos de construção coletiva pode ser uma alternativa viável. Paralelamente, por parte das empresas e instituições de CT&I, talvez falte interesse em se investir em incrementos às próprias tecnologias, sobretudo quando demandados, especificamente, para o atendimento às metas vinculadas aos ODS.

Nesse último caso, uma hipótese é que setores de comunicação e marketing de algumas empresas e instituições públicas podem  não estar alinhados aos princípios ESG, que guiam as organizações verdadeiramente inovadoras na busca por alcançar níveis elevados de excelência nos aspectos humano, econômico e administrativo. No âmbito institucional, os princípios da Equidade, Sustentabilidade e Governança têm grande convergência com parte dos objetivos da Agenda 2030, em especial com os ODS 3)Saúde e Bem Estar; 5)Igualdade de Gênero; 8)Trabalho Decente e Crescimento Econômico; 10) Redução das Desigualdades; 16) Paz, Justiça e Instituições Eficazes e 17) Parcerias e Meios de Implementação.

Promover a adaptação e a apropriação de tecnologias que contribuam para os ODS é desafiador. A participação do Brasil na SS-Unga78 nos permitirá compartilhar experiências em termos de estruturação de políticas de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I). E, também, aprender com as experiências dos que superaram dificuldades que ainda enfrentamos. 

Um desafio que a Embrapa assume, não apenas para o horizonte de 2030, mas para os próximos 50 anos de sua trajetória, é impulsionar a inclusão sócio produtiva tanto no campo quanto na cidade, principalmente de populações mais desassistidas. A vulnerabilidade de algumas comunidades tornou-se uma preocupação ainda maior durante o enfrentamento da pandemia de covid-19, levando a pesquisa agropecuária a buscar uma atuação multifocal, que considere as interligações entre saúde ambiental, animal e humana (one health). Na Embrapa, a abordagem em alinhamento com os preceitos da Saúde Única é, atualmente, uma diretriz estratégica. 

Gerar conhecimento e adaptar soluções tecnológicas é objetivo fim das instituições de PD&I.  Para superar o desafio da inclusão sócio produtiva no Brasil, e o da efetiva contribuição da ciência para o alcance dos ODS, é preciso mais: compromer-se com a formulação de Políticas Públicas, nacionais e globais; assegurar a efetividade da apropriação dos conhecimentos para além do campo científico e viabilizar a adoção de inovações tecnológicas pelos setores pertinentes da sociedade. A ampliação das parcerias em arranjos diversos, que envolvam agentes do poder público, empresas privadas e a sociedade civil é peça fundamental para a sustentabilidade.

Ana Margarida Castro Euler, Engenheira Florestal pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (1998), Mestre (2002) e Doutora (2006) em Ciências Ambientais e Florestais pela Graduate School of Environment and Information Science- Yokohama National University, Japão. Pós-doutorado em Populações Tradicionais, Governança da Biodiversidade e Sistemas Agrícolas Tradicionais (set2021- fev2023) L’Institut de recherche pour le développement (IRD), e Centre de Coopération Internationale en Recherche Agronomique pour le Développement (Cirad) na França. Tem 20 anos de atuação na Amazônia com passagem pela África (Burkina Faso, Quênia, Gana).

Ana Maria Costa, Pesquisadora da Embrapa Cerrados (DF). Engenharia agrônoma, especialista em Biologia Molecular, doutora em Patologia Molecular, mestre em Ciências Genômicas. Coordenadoria do GT Relacionamento Estratégico da Rede ODS Embrapa e da Rede Passitec – Desenvolvimento Tecnológico para Uso Funcional e Medicinal de Espécies Vegetais do Cerrado.  É Secretária Executiva da Regional DF da Sociedade Brasileira de Ciência e Tecnologia de Alimentos (SBCTA-DF). Seus trabalhos pela Passitec foram destacados pela FAO em 2019 na área de Bioeconomia. Recebeu o prêmio Celso Furtado de Desenvolvimento Regional (2017) entre outros.

Alineaurea Florentino Silva, Pesquisadora da Embrapa Semiárido (PE). Engenheira Agrônoma, doutora em Desenvolvimento e Meio Ambiente. mestre em Fitotecnia (Produção Vegetal). Experiência na área de Agronomia, com ênfase em Manejo Ecológico do Solo e Tratos Culturais, atuando principalmente com os temas: Uso do solo e sistemas alternativos de produção, Agroecologia e Meio Ambiente, Agricultura familiar, Convivência com a semiaridez, Fitotecnia, Mandiocultura, Diversificação de Cultivos e Uso de Resíduos Orgânicos em sistemas de produção.

Julia Franco Stuchi, Analista da Embrapa Solos (RJ). Engenheira Florestal, doutora em Agroecologia, Soberania Alimentar e Bens Comuns e mestre em Agroforestería Tropical pelo Centro Agronómico Tropical de Investigación y Enseñanza (CATIE, Costa Rica). Experiência com etnobotânica no Parque Estadual do Alto do Ribeira (PETAR, em Iporanga – SP) e com agricultura familiar em assentamentos da reforma agrária (MST, Itapeva – SP).

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Maurício Moraes

Maurício Moraes

Sócio e líder do setor de Agronegócio, PwC Brasil

Dirceu Ferreira Junior

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COO do PwC Agtech Innovation e sócio, PwC Brasil

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