Leguminosas pulses associadas a bioinsumos: fonte de renda, segurança alimentar e desenvolvimento sustentável da agricultura familiar

Além de proporcionar uma série de benefícios agronômicos para as lavouras, os pulses também exercem papel fundamental na alimentação humana, como fonte de proteína de baixo custo

Dezembro 14, 2023

O grão-de-bico faz parte das leguminosas pulses, opções com alto teor de proteínas e fibras, além de baixo teor de gordura (Foto: Canva)

Por Anelise Dias (UFRRJ), Ederson da Conceição Jesus, Gustavo Ribeiro Xavier, Marcia Reed Rodrigues Coelho e Norma Gouvêa Rumjanek (Embrapa Agrobiologia)

O Brasil vem enfrentando um quadro sério de insegurança alimentar: em 2022, o 2ºInquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil apontou que 33,1 milhões de pessoas não têm garantia de alimentos e que mais da metade da população brasileira convive com o problema em algum grau, seja leve, moderado ou grave. Nas regiões Norte e Nordeste, as formas mais graves de insegurança alimentar são realidade para 54,6% e 43,6% da população, respectivamente. 

Por outro lado, a  Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), revelou que, nos últimos anos, há uma  redução de áreas que produzem alimentos da “mesa dos brasileiros”, como o  arroz e o feijão. E, além de estimular a retomada da produção, o poder público incentiva que isso aconteça no sentido de favorecer uma maior diversidade e aporte de nutrientes na dieta da população, incluindo grãos com usos culinários semelhantes.

São muitos os exemplos dessa possível substituição, como  a troca do  feijão-comum pelo feijão-caupi, guandu, grão-de-bico, entre outras variedades, o que permite diversificar sabores, aromas, cores e texturas da alimentação, além de acomodar preferências regionais e pessoais. 

Nessa lista, aparecem  os pulses, leguminosas que  apresentam alto teor de proteínas e fibras e baixo teor de gorduras, representando um recurso alimentar de alta qualidade para a nutrição humana e a segurança alimentar. Em reconhecimento à importância delas, a Organização das Nações Unidas (ONU) designou um evento global, que ocorre anualmente no dia 10 de fevereiro. 

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) lista 11 grupos de pulses que fazem parte da dieta humana. Entre eles, o dos  feijões — que incluem o feijão-comum (Phaseolus vulgaris) e o feijão-mungo (Vigna angularis) —, do grão-de-bico (Cicer arietinum), da ervilha (Pisum sativum), lentilha (Lens culinaris) e fava (Vicia faba), apenas para citar alguns exemplos. 

Na alimentação humana, os pulses são uma alternativa ao consumo de produtos de origem  animal, por serem uma fonte de proteína de baixo custo, tendo alto potencial de atender  populações com pouco  acesso a alimentos de qualidade em quantidade suficiente para uma vida saudável. Além da presença de proteínas e fibras, os pulses apresentam propriedades antiestresse, anti-inflamatórias e antioxidantes. 

Panorama da produção

No Brasil, a produção de pulses é praticamente exclusiva do grupo dos feijões, que inclui o feijão-comum,   feijão-caupi  e o feijão-mungo. Mas, além deles, há uma pequena produção de fava, que atingiu um pico produtivo  entre 1967 e 1974, e de ervilha, que passou entrar nas estatísticas da FAO a partir de 1991. Ainda incipiente, o segmento mostra sinais de que pode crescer nas próximas décadas, dadas as oportunidades de atender o mercado interno e externo e a aptidão agrícola do Brasil para o cultivo de diferentes variedades. 

Em  2021, as exportações brasileiras de pulses somaram  US$ 140,6 milhões, com o  feijão-mungo puxando o resultado (US$ 67,6 milhões), seguido do feijão-caupi (US$ 58,4 milhões), azuki (US$ 9 milhões), feijão-comum (US$ 4,8 milhões) e, em escala menor, da ervilha (US$ 60 mil) e do feijão-guandu (US$ 9,8 mil). 

As pulses no campo

No campo agronômico, os pulses formam associações simbióticas com bactérias fixadoras do nitrogênio (N) atmosférico que colonizam os nódulos das raízes das plantas – o que resulta na diminuição significativa do uso de fertilizantes solúveis. 

Além da fixação de N, são relatadas inúmeras associações com diferentes grupos de microrganismos promotores do crescimento vegetal. Essas associações trazem um  diferencial vantajoso, como a facilitação do  crescimento desse tipo de leguminosa  em solos de baixa fertilidade ou áreas submetidas a diferentes estresses abióticos, como seca, salinidade e temperatura.

Estudos indicam que a fixação biológica de nitrogênio exerce papel importante, por exemplo, na cultura do feijão-mungo. Por ser uma cultura de ciclo curto, tolerante à seca e a temperaturas elevadas, ela é importante opção para diversificação das áreas produtivas na entressafra da soja, constituindo oportunidade de fonte de renda e empregos e de redução das instabilidades do mercado de feijões.

Resultados originais, inéditos e pioneiros abriram novas abordagens direcionadas à obtenção de registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) do que poderá ser a primeira estirpe de rizóbio recomendada para o feijão-mungo. Esse produto, para inoculação de sementes de mungo, é fruto do trabalho de pesquisa das  unidades da Embrapa Agrobiologia, Cerrados, Arroz e Feijão, Semiárido e Meio-Norte,  da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro (Pesagro-Rio).

Nesse contexto, ganham destaque ações baseadas em proteínas vegetais (“plant-based”), que utilizam tecnologia e inovação para aproximar os vegetais do sabor e da textura do alimento de base animal. O feijão-mungo, como leguminosa pulse, se apresenta como alternativa de proteína vegetal de alta qualidade.

Pulses e inoculantes

O Programa Nacional de Bioinsumos, do Mapa, já reconhece o papel dos inoculantes como uma ferramenta importante para promover a fixação biológica do nitrogênio no solo e reduzir a dependência de fertilizantes químicos, além de contribuir com a melhoria da qualidade das plantas e redução de doenças e pragas.

Por meio desse programa, o governo busca incentivar a produção e o uso de inoculantes de qualidade e promover o uso responsável desses insumos na agricultura brasileira.

Existem muitas culturas de leguminosas pulses que têm inoculantes registrados no Mapa, para uso associado, como o feijão-comum, feijão-caupi, lentilha, grão-de-bico, ervilha e fava (Vicia faba), cujas informações podem ser acessadas pelo aplicativo de bioinsumos disponibilizados pelo Mapa e pela Embrapa.

Com olhar visionário, a criação de um programa para essas leguminosas pulses e bioinsumos, com a distribuição de sementes básicas e inoculantes com bactéria selecionadas e eficientes agronomicamente, pode ser uma abordagem crítica e construtiva para uma nova política pública que permita combater a  insegurança alimentar.

O Brasil pode ser pioneiro nesta iniciativa e ser modelo para outros países, especialmente do continente africano, visando o fomento ao uso e consumo de leguminosas pulses inoculadas, que contribui para a segurança alimentar, geração de renda e desenvolvimento sustentável da agricultura familiar.

Anelise Dias
Possui graduação em Licenciatura em Ciências Agrícolas pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (2006), mestrado em Biotecnologia Vegetal pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2008) e doutorado em Ciências (Fitotecnia/ Agroecologia) pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (2011). Atualmente é Professora do Departamento de Agrotecnologias e Sustentabilidade do Instituto de Agronomia da UFRRJ, Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Agricultura Orgânica (UFRRJ/ Embrapa Agrobiologia/ Pesagro-Rio) e membro do Comitê Gestor da Fazendinha Agroecológica Km 47 (CTUR/ Embrapa Agrobiologia/ Pesagro-Rio/ UFRRJ). Tem experiência em Agronomia, com ênfase em sistemas agroalimentares locais/agroecologia e agricultura orgânica; comercialização e políticas públicas para agricultura familiar; promoção de crescimento de hortaliças e fixação biológica de nitrogênio em leguminosas.

Ederson da Conceição Jesus
Possui graduação em Agronomia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (2002), mestrado em Microbiologia Agrícola pela Universidade Federal de Lavras (2004) e doutorado em Ciência do Solo pela mesma universidade (2008). Parte de sua pesquisa de doutorado foi desenvolvida no Center for Microbial Ecology – Michigan State University (2005-2006). Tem experiência na área de agronomia, ciência do solo e microbiologia, atuando principalmente nas áreas de ecologia microbiana, microbiologia do solo e fixação biológica de nitrogênio. Trabalhou como pós-doutorando no Great Lakes Bioenergy Center e no Center for Microbial Ecology, Michigan State University (EUA), onde desenvolveu pesquisa nas áreas de ecologia microbiana e metagenômica. Atualmente é pesquisador da Embrapa Agrobiologia/RJ.

Gustavo Ribeiro Xavier
É graduado em Agronomia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (1996), com mestrado (2000) e doutorado (2003) em Agronomia Ciência do Solo pela UFRRJ, incluindo uma experiência durante doutoramento na Alemanha. Pesquisador Embrapa Agrobiologia (Seropédica, RJ) desde 2002. Atua como microbiologista do solo, em projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação e Transferência de Tecnologia. Teve liderança em projetos (nacional e internacional) pela Embrapa, FAPERJ, CNPq e CAPES. Contribuiu com a obtenção de resultados finalísticos em relação à recomendação de estirpes inoculantes para feijão-caupi no MAPA. Essa tecnologia integra o Balanço Social da Embrapa desde 2005. Fez parte dos ensaios de avaliação de impacto ambiental que subsidiou a avaliação da CTNBio em relação ao feijão transgênico resistente ao vírus do mosaico dourado da Embrapa (2011).

Marcia Reed Rodrigues Coelho
Possui Bacharelado e Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Santa Úrsula (2001), mestrado em Biotecnologia Vegetal pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2004) e doutorado em Ciências (Microbiologia) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2008), tendo realizado parte da sua pesquisa na Newcastle University, Reino Unido (2006). Atuou como Pós-Doc (PNPD/CAPES) em projetos na área de microbiologia do petróleo e bactérias promotoras do crescimento de plantas, ministrando aulas e co-orientando alunos de graduação e pós-graduação. Tem experiência na área de Microbiologia do solo, Ecologia Microbiana e Biologia Molecular, atuando principalmente nos seguintes temas: diversidade de bactérias do sistema solo-planta e fixação biológica de nitrogênio em plantas não leguminosas. É pesquisadora da Embrapa Agrobiologia na área de Microbiologia do solo desde 2010.

Norma Gouvea Rumjanek
Pesquisadora da Embrapa Agrobiologia desde 1989 onde atua na área de Microbiologia de Solos com foco em Ecologia Microbiana. Durante o período de fevereiro de 2008 a novembro de 2013 exerceu a função de chefe adjunta de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa Agrobiologia. É pesquisadora 1C do CNPq e Cientista do Nosso Estado (FAPERJ) desde 2004. É farmacêutica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, obteve o grau de PhD pela University of London em 1983 em Química Farmacêutica e concluiu o pós-doutorado em 1993 na University of Madison-Wisconsin (EUA) na área de genética microbiana. É professora orientadora do Mestrado Profissional em Agricultura Orgânica da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro desde a sua criação em 2010. Publicou mais de 70 artigos em periódicos especializados e 11 capítulos de livros. Orientou 17 teses de doutorado e 16 dissertações de mestrado.

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Dirceu Ferreira Junior

Dirceu Ferreira Junior

COO do PwC Agtech Innovation e sócio, PwC Brasil

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