O que você perguntaria para uma das principais referências em inteligência artificial do mundo?

Guilherme Castro, CEO da Cromai, teve a oportunidade de estar frente a frente com Peter Norvig, Diretor de Engenharia do Google, e conta os bastidores da experiência

Setembro 5, 2023

Peter Norvig, Diretor de Engenharia do Google, e Guilherme Castro, CEO da Cromai (Foto: Arquivo pessoal)

Por Guilherme Castro

Ter a oportunidade de bater um papo com Peter Norvig na companhia de outros empreendedores e, depois, ainda dar a sorte de ganhar uns minutos extras sozinho com o pai dos algoritmos de busca da Google antes de sair para um almoço comum, de dia de semana, foi um dos presentes que a jornada de “founder de startup” me proporcionou recentemente.

A convite do Google For Startups, estive semanas atrás frente a frente com aquele que é co-autor do livro “Inteligência Artificial – Uma Abordagem Moderna” e co-criador de um curso de IA em que se inscreveram mais de 160 mil alunos (vejam esse vídeo sobre o curso, vale a pena). Hoje, com a bagagem que tem acumulada e na condição de Diretor de Engenharia do Google e também Fellow em Stanford, Peter é considerado uma das mentes mais brilhantes quando o assunto é IA. 

Devido à multiplicidade de fatores que envolvem o uso e a evolução da inteligência artificial, a conversa com ele passou por vários tópicos, desde desafios técnicos até regulamentação pública… e eu trago aqui os principais aprendizados que pude absorver.

Evolução da inteligência artificial

Para pessoas que não acompanham os avanços da inteligência artificial de perto, os resultados recentes dos LLMs (Large Language Models), como o ChatGPT, impressionam por sua capacidade e por quão transformador esse tipo de inteligência pode ser. No entanto, essa é apenas uma pequena amostra do quanto a inteligência artificial já está transformando nosso mundo e do quanto ela ainda vai alterar a realidade em que vivemos.

Os avanços técnicos da inteligência artificial são diários, com novas publicações de base científica fortíssimas sendo disponibilizadas em alta frequência em portais de Big Techs, como da própria Google e Meta, sem falar de revistas científicas renomadas. 

O livro escrito por Peter Norvig, “Inteligência Artificial – Uma Abordagem Moderna”, é um dos mais utilizados a nível global e está em sua quarta edição. Apesar de cobrir os conceitos mais básicos da inteligência artificial, o livro precisou ser revisado a cada edição, exatamente por causa de todo esse avanço, que alterou, inclusive, os principais desafios para desenvolvimento da inteligência artificial ao longo do tempo.

Regulamentação

Com toda essa evolução, uma questão que sempre aparece em discussões sobre IA é a necessidade de regulamentação. É uma questão complexa, pois envolve atribuir responsabilidades sobre algo que já está transformando o mundo em alta velocidade. Essa mudança é um fato e é irreversível. Dito isso, é preciso considerar também que é necessário, o quanto antes, estabelecer a melhor estratégia de regulamentação para as ferramentas de IA, entendendo as possibilidades reais de uso da tecnologia e suas consequências.

Na minha visão, o setor público deve participar desse processo, mas não deve ser o único – ou o principal – responsável pela regulamentação, porque não está acostumado a trabalhar em um ritmo tão acelerado, como o que o tema exige hoje. Além disso, a interação entre o setor público de variados países tornaria o assunto mais uma questão de política internacional, o que também pode retardar definições importantes.

Idealmente, tem-se discutido que as próprias empresas que desenvolvem tecnologias com inteligência artificial deveriam zelar por sua segurança. Apesar de essa responsabilidade adicional poder tornar mais lento o processo de desenvolvimento e lançamento de produtos, entende-se que os ganhos para a confiança da sociedade seriam muito relevantes. E esse caminho já reduziria bastante, segundo os especialistas, a pressão da opinião pública e a necessidade de formulação de regulamentações adicionais por outros órgãos.

Uma outra alternativa interessante que vem sendo colocada em pauta é a criação de instituições privadas e independentes para a certificação da segurança de tecnologias com inteligência artificial. Esse tipo de solução já foi muito bem empregada em outros setores e em diversos países, como é o caso da Certificação como Empresa B, no caso de empresas engajadas com o tema ESG (Environmental, Social and Governance, na sigla em inglês), e as certificações de sustentabilidade e qualidade do café promovidas pela Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), por exemplo.

Em muitos casos, essas instituições podem, inclusive, se credenciar a órgãos públicos nacionais e internacionais, garantindo uma visão apolítica sobre o tema e compartilhando responsabilidades com o setor público e as próprias empresas.

Independentemente de como a questão regulatória vai evoluir, o fato é que as empresas de tecnologia estão avançando numa velocidade cada vez maior, e todo esse avanço não vai parar.

ChatGPT, Bard ou outro LLM? Qual IA deve prevalecer?

No caso dos LLMs (Large Language Models), modelos generativos de linguagem, os avanços recentes do ChatGPT surpreendem porque, em pouco tempo, ele trouxe à luz novas possibilidades e uma transformação patente em muitos negócios. 

No entanto, após o lançamento de muito sucesso da última versão do ChatGPT, que alcançou mais de 1 milhão de usuários em apenas 5 dias, a Google também lançou o seu LLM, o Bard, e entrou para a briga de qual inteligência vai gerar mais valor para seus usuários e dominar o mercado. Ainda que o ChatGPT tenha atingido a marca de 100 milhões de usuários primeiro, o Bard, lançado depois, está acelerando a curva de adoção e já chegou a 30 milhões de usuários.

Ainda é o começo de uma disputa que pode ter mais de um vencedor, como vimos acontecer com outros tipos de tecnologia, como é o caso dos smartphones Android e iOS. Valendo lembrar que a tecnologia dos LLMs está apenas arranhando a superfície do que serão muitos casos de uso e novos negócios e que, apesar de a OpenAI/Microsoft (ChatGPT) e a Google (Bard) terem saído na frente, ainda temos muito espaço para novos entrantes.

Custos envolvidos

Hoje, os custos de desenvolvimento de uma inteligência artificial não são mais um impeditivo para que qualquer empresa, grande ou pequena, possa desenvolver suas próprias soluções. Décadas atrás, as grandes inovações tecnológicas demandavam muito investimento, o que limitava bastante o surgimento de novos players. 

O cenário atual possibilita, por exemplo, que startups desenvolvam soluções e gerem muito valor, podendo até dominar o mercado, mesmo concorrendo com soluções de gigantes da tecnologia a nível mundial. A tendência hoje é que os melhores produtos conquistem o mercado, independentemente da capacidade de investimento inicial no desenvolvimento ou dos investimentos subsequentes em marketing.

Executivos da própria Google já trouxeram essa visão de mercado no livro “How Google Works”, que teve a primeira edição publicada em 2014. Parafraseando os autores, a mensagem é que os produtos predominantes no mercado serão os que gerarem maior valor para os usuários, e as empresas vencedoras serão as que apresentarem excelência contínua no desenvolvimento de produtos, e não as que tiverem mais investimentos em vendas e marketing, o que acontecia mais comumente em décadas passadas. 

Exatamente por isso, ainda é difícil dizer quais serão as empresas com as melhores soluções baseadas em inteligência artificial para os diversos problemas que essa tecnologia resolve.

O que esperar da inteligência artificial nos próximos anos?

A inteligência artificial já estava presente no nosso dia a dia há anos, mesmo que de uma forma não tão aparente. Exemplos como o reconhecimento facial para autenticação em aplicativos e acesso a prédios residenciais e comerciais; a sugestão personalizada de conteúdos em plataformas de streaming (como ocorre na Netflix) e o reconhecimento de voz das assistentes pessoais (como a Siri, do iPhone) e residenciais (como Alexa, da Amazon). Apesar disso, com a evolução recente das LLMs e de outros modelos generativos, como o Midjourney, que gera imagens, o tema inteligência artificial passou por uma explosão de interesse e o potencial da IA ficou escancarado, para quem quiser ver.

Até mesmo os especialistas em inteligência artificial estão muito entusiasmados com todo esse avanço, porque essa é a adoção de tecnologia mais rápida que muitos deles puderam vivenciar. No entanto, apesar de todo o avanço, como esses ainda são apenas os primeiros passos, há muita oportunidade na mesa. Oportunidade, mesmo para pequenas empresas, de serem criativas e protagonistas, de desenharem produtos transformadores, que podem surgir em qualquer parte do mundo e que vão prevalecer nas próximas décadas. 

Por isso, não é exagero dizer que histórias como a da própria Google devem se repetir. Nesse sentido, há um consenso entre os especialistas de tecnologia de que, com as barreiras de desenvolvimento menores e a velocidade de desenvolvimento maior do que nunca antes na História, as estratégias de produto e negócios realmente terão um papel central. Afinal, também ficou mais fácil ficar defasado e alheio à transformação pela qual o mundo já passa.

Eu termino essa breve coletânea de aprendizados provocando algumas reflexões. Se esse é apenas o começo do que a inteligência artificial pode entregar de valor, você já imaginou o quanto ela ainda vai transformar o mercado? Em que mundo será que nós estaremos vivendo daqui a 10 anos? Na sua visão, a inteligência artificial vai mudar o planeta mais ou menos do que a internet? O agronegócio também será transformado? Quais serão as empresas protagonistas nesse processo? E qual será o tamanho dessa mudança?

Guilherme Castro é fundador e CEO da Cromai, uma agtech que aplica inteligência artificial para aumentar a eficiência do manejo agrícola. Engenheiro mecatrônico formado pela Escola Politécnica (USP, 2012), com mestrado na Universidade de Darmstadt (Alemanha, 2012) e doutorado em inteligência artificial pela Escola Politécnica (USP, 2017) tem parte das suas pesquisas realizadas na Yokohama National University (Japão, 2017). Na carreira como empreendedor, liderou o desenvolvimento de tecnologia e produto da Cromai, graças aos mais de 10 anos de experiência trabalhando com inteligência artificial de última geração. Sua experiência abrange desde arquitetura e estratégia de produtos de inteligência artificial até os aspectos técnicos e práticos do desenvolvimento de uma solução para o mundo real.

Contatos

Dirceu Ferreira Junior

Dirceu Ferreira Junior

COO do PwC Agtech Innovation e sócio, PwC Brasil

Siga-nos