Quando a presença da mulher no agro vai deixar de ser “o” assunto da vez?

Apesar dos esforços do setor, cultura para promover a diversidade ainda carece de avanços 

Novembro 08, 2024

 Mulheres brasileiras são referência para impulsionar transformações na pesquisa agrícola (Foto: CNMA) 

Por Marina Salles e Dalana de Matos

O palco do Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio ficou pequeno para o impacto que as profissionais do setor querem provocar. Com o tema “Mulher Agro Brasileira: Voz para o Mundo”, a nona edição do evento problematiza a necessidade do setor colocar em evidência o conhecimento gerado pelas mulheres brasileiras do agro não apenas no país, mas no mundo. 

Silvia Massruhá, presidente da Embrapa, abriu as discussões contando que há 15 anos,  o quadro de funcionários da Embrapa tinha 15% de mulheres e, hoje, chega a 40%. De lá para cá, a proporção de pesquisadoras que assinam publicações científicas no Brasil também aumentou, saltando de 38% para 49%, segundo relatório da Elsevier-Bori, em que o país assumiu a terceira colocação entre 18 países mais a União Europeia em termos de representatividade feminina na ciência. 

País agro exportador, o Brasil também tem estimulado empresas do setor lideradas por mulheres a participar de eventos de fora por meio do Programa Mulheres e Negócios Internacionais da ApexBrasil. A iniciativa visa fortalecer o grupo ainda restrito de mulheres que representam as empresas exportadoras brasileiras, que entre os vários setores da economia não passa de 14%. O desejo do Ministério da Agricultura também é de ampliar o número de mulheres na função de adidos agrícolas, representando o país em mercados-chave para nossas exportações.  

Mas, depois de nove anos de congresso, por que a voz da mulher do agro do Brasil ainda não ecoa em alto e bom som no país? Que dirá, no mundo?  Faltam mulheres porta-vozes no agro ou falta dar espaço para essas profissionais poderem compartilhar o seu conhecimento? 

Em premiação entregue durante o CNMA, pela Abag e Bayer, a professora e pesquisadora Danielle Baliza foi reconhecida na categoria ciência e pesquisa pelo trabalho que tem realizado no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas. Além de coordenar o curso de Tecnologia em Gestão Ambiental na instituição e ter mais de 40 publicações no currículo, ela atua como embaixadora em projeto do IF Sudeste MG que já impactou mais de 2.500 produtoras rurais multiplicando conhecimento sobre sistemas agroflorestais consorciados com café. 

E sabemos que há muitas Danielles no Brasil. No congresso deste ano, pelo menos mais duas cientistas e nove produtoras receberam premiações numa demonstração de que o agronegócio conta sim com porta-vozes femininas para debater todo tipo de assunto: da produção sustentável de grãos, leite, carne e palmito até o combate ao desperdício de alimentos, para abastecer com qualidade o mercado interno e externo. 

Na Pesquisa Mulheres Que inovam o Agro de 2023, do PwC Agtech Innovation, apareceram entre os temas com as quais as 838 respondentes mais se reconheciam como porta-vozes e agentes de mudança: sustentabilidade e agricultura regenerativa (57,8%), educação no agronegócio (55,4%), gestão da mudança e cultura (53,9%), tecnologia no campo (49,6%), governança e gestão corporativa (47,4%), diversidade, pessoas e saúde mental (43,1%). 

Voz feminina para o mundo? 

Dar lugar de fala às mulheres que inovam o agronegócio precisa ser uma preocupação recorrente do setor, para que um dia esse se torne um não-assunto entre tantas outras pautas que merecem ser discutidas por elas, que também são protagonistas da área técnica, executiva e produtiva do setor. Na SIAL Paris 2024, uma das maiores feiras do setor de alimentos e bebidas do mundo, realizada em outubro, a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) promoveu a exposição “Women Who Help to Feed the World” (Mulheres que Ajudam a Alimentar o Mundo, em tradução livre), para homenagear a liderança e empreendedorismo feminino na cadeia da proteína animal. É um começo e mais um passo na direção em que precisamos avançar.

No PwC Agtech Innovation, hub de inovação do agronegócio com unidades em Piracicaba (SP) e Uberaba (MG), somos um time com mais de 60% de representatividade feminina. E, mesmo com atuação consciente para abrir espaço para as mulheres do agronegócio, subirem ao palco para debaterem os desafios globais do setor, gestão da mudança, a maturidade do ecossistema de inovação, bioeconomia, transição energética, biológicos, cooperativismo, o futuro do trabalho, o combate à fome, e outros mais de 20 temas, que não couberam nesta lista, alcançamos 34% de média de palestrantes femininas de um pool de mais de 100 convidados. 

A tarefa não é simples e o esforço consciente é necessário para que essas médias passem a refletir uma maior equidade de gênero em todos os eventos do setor. O Termômetro da Inovação Aberta no Agro nos auxilia no entendimento do cenário ao apontar que, na inovação, um dos gargalos é o investimento em Culturas e Talentos, que passa pela promoção da diversidade. 

A pesquisa do PwC Agtech Innovation “Termômetro da Inovação Aberta no Agro” revela uma adoção ainda baixa de mecanismos de cultura de inovação nas organizações, o que cria uma discrepância entre as práticas atuais e os objetivos almejados pelo setor. Enquanto 66% dos respondentes da pesquisa desejam ter uma cultura inovadora, apenas 34% se reconhecem nesse patamar hoje. E são 75% as empresas que desejam contra 29% as que verificam uma cultura empreendedora interna que reflete a colaboração. 

O Congresso das Mulheres do Agronegócio 2024 é a prova viva de que não faltam porta-vozes no agro para levar conhecimento sobre a atuação do setor no Brasil para o mundo. Elas são inspiradoras e versadas nas pautas que a audiência quer ouvir. Mas, somente por meio de uma cultura plural – que inclui diversidade de gênero, etnias e visão de mundo – é que vamos poder construir ambientes em que as mulheres, naturalmente, tenham garantido o seu lugar de fala. Por ora, fato é que nosso esforço precisa continuar existindo para construir essa ponte para o futuro.

Contatos

Dirceu Ferreira Junior

Dirceu Ferreira Junior

COO do PwC Agtech Innovation e sócio, PwC Brasil

Siga-nos