Agosto 21, 2025
Por Julia Moretti, Especialista em Sustentabilidade na Vega
A rastreabilidade dos produtos agrícolas é um desafio no agronegócio. Com o avanço de regulamentações nacionais, internacionais e o aumento da pressão por práticas sustentáveis, os olhares se voltam com mais intensidade para os elos menos visíveis da cadeia de fornecimento, as chamadas cadeias indiretas.
As cadeias indiretas incluem todos os agentes que fazem parte do caminho de um produto até seu destino final, mas que não têm uma relação comercial direta com a empresa compradora, e por isso, muitas vezes acabam ficando fora do radar das estratégias tradicionais de rastreabilidade.
Exemplificando, uma cadeia direta acontece quando o produtor vende seu produto diretamente para a empresa final, como uma esmagadora ou uma trade. Já na cadeia indireta, o produto passa por outras etapas. Por exemplo: produtores de diferentes tamanhos vendem para uma cooperativa, que então repassa o produto para a empresa final. Quanto mais etapas e agentes envolvidos nesse processo, maior a complexidade para garantir a rastreabilidade do produto.
A preocupação com os elos indiretos não é nova. No entanto, com a entrada de novas normas como o Regulamento Europeu para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR), a exigência por rastreabilidade de ponta a ponta se intensificou. A nova legislação exige que produtos comercializados na União Europeia tenham sua origem comprovada, desde o ponto inicial da cadeia até o destino final.
Esse movimento reforça a necessidade de visibilidade total da cadeia de fornecimento, incluindo os agentes que antes ficavam fora do radar dos sistemas tradicionais de controle.
Para lidar com essa complexidade, empresas têm recorrido à inteligência territorial, uma abordagem que combina imagens de satélite, dados públicos (como CAR e embargos), alertas de desmatamento e informações de uso do solo. Com isso, é possível enxergar além das informações disponíveis nos contratos e identificar áreas de risco com mais precisão.
Essa leitura territorial permite detectar padrões, verificar áreas de risco, antecipando irregularidades — antes mesmo que eles apareçam em uma planilha ou relatório. Com esse tipo de visão, é possível agir preventivamente, adaptar estratégias de compras e garantir que as cadeias estejam de fato alinhadas com os compromissos socioambientais assumidos e com as legislações aplicáveis.
Um dos principais desafios para as empresas ainda está na integração eficaz de informações complexas às decisões estratégicas de originação. Mapear os riscos é apenas o primeiro passo. Transformar grandes volumes de dados em indicadores acionáveis e em ações concretas exige não apenas tecnologia avançada, mas também uma governança robusta e, sobretudo, um engajamento profundo entre as diversas áreas das empresas – como sustentabilidade, compras e compliance – e entre os diversos stakeholders envolvidos na cadeia, incluindo produtores, cooperativas, empresas de insumo, terceiro setor, bancos, associações e governo.
Soluções de monitoramento e análise de dados desempenham um papel fundamental nesse processo, ao fornecer ferramentas e conhecimento que possibilitam uma integração eficiente das informações na cadeia de suprimentos.
Empresas que conseguem gerenciar essa camada invisível não apenas atendem às regulamentações, mas também se destacam como referências em uma nova fase de maturidade no agronegócio. Essa fase é marcada pela integridade, previsibilidade e uso estratégico da inteligência territorial. Ao adotar essas práticas, as organizações conseguem antecipar tendências, agir de forma preventiva e fortalecer sua reputação, contribuindo ativamente para um futuro mais sustentável e transparente no setor.
Julia Moretti é Head de ESG na Vega Monitoramento, com mais de dezoito anos de experiência em sustentabilidade corporativa. Atuou como líder global de Sustentabilidade no setor de agronegócio por mais de 08 anos e em projetos de auditoria e consultoria para empresas nacionais e multinacionais de diversos setores, como alimentos, energia, mineração, siderurgia, financeiro, entre outros. É bacharel em Relações Internacionais pela UNESP e possui MBAs em Gestão do Agronegócio (ESALQ/USP) e em Gestão em Sustentabilidade (FGV).