EUDR na prática: como o agro brasileiro pode liderar a nova era da rastreabilidade

A regulação europeia redefine padrões operacionais e traz novos desafios para exportadores agrícolas  

Novembro 19, 2025

Por Laíssa Resende Vasconcelos Naves

A entrada em vigor da EUDR (Regulação (EU) 2023/1115) marca um ponto de inflexão para cadeias agrícolas globais em que o Brasil ocupa papel central. A complexidade operacional não está apenas no escopo, mas também no nível de granularidade dos dados exigidos, e no alinhamento entre governança de dados, tecnologia, logística e compliance jurídico-ambiental.

A EUDR abrange sete commodities principais — soja, gado, óleo de palma, cacau, café, borracha e madeira — e seus produtos derivados. Para que estas mercadorias (ou produtos) possam acessar o mercado europeu com conformidade regulatória, três condições cumulativas devem ser atendidas, entre os itens: 

  • Produção em áreas que não sofreram desmatamento (conversão florestal) após 31 de dezembro de 2020,

  • Produção em conformidade com a legislação nacional aplicável no local de origem, 

  • Rastreabilidade da origem até o talhão ou estabelecimento, com localização geográfica. 

Para operadores agrícolas ou de originação no Brasil isso exige integração entre sistemas de cadastro territorial (CAR), georreferenciamento de lotes, padronização de polígonos ou pontos para talhões menor que 4 ha, além de documentação contratual de fornecedores e da própria cadeia de suprimentos deles.

Desafios técnicos no campo

Do ponto de vista técnico, a obrigatoriedade de envio de polígonos ou pontos georreferenciados representa um salto de exigência de rastreabilidade. O regulamento demanda que áreas maiores que 4 hectares (com exceção de estabelecimentos de criação de gado) sejam definidas por polígonos com precisão de pelo menos seis casas decimais em latitude/longitude, enquanto para áreas menores que 4 ha é admitido um ponto único.  
Na prática brasileira, isso implica em desafios como:

  • Mapeamento e validação de talhões com precisão GNSS (Sistema Global de Navegação por Satélite) ou imagens de satélite atualizadas;

  • Padronização de formatos de arquivo (GeoJSON, shapefile) e interoperabilidade com sistemas de compras e ERP da empresa;

  • Estabelecimento de controle de versão dos polígonos (data da imagem, data da geração) para demonstrar que o uso não implicou em conversão florestal posterior a dezembro de 2020.

Due diligence: estrutura e aplicação

Para além da coleta de dados, a eficácia do compliance depende da arquitetura robusta de due diligence, que articula dados, processos e decisões operacionais. Essa arquitetura envolve três etapas principais, conforme estabelecido pela EUDR:

  1. Coleta de informação - dados detalhados sobre fornecedores, localização geográfica, tipo de cultivo e logística de transporte (art. 9) 

  2. Avaliação de risco - análise de fatores como geografia, país de origem, histórico de desmatamento, vulnerabilidades socioambientais e tipos de cultivo (art. 10)

  3. Medidas de mitigação - ações corretivas e preventivas como auditorias, exclusão de fornecedores, segregação de lotes, contratos com cláusulas EUDR (art.11)

No contexto brasileiro, transformar essas exigências em prática operacional requer mais do que adequação técnica, exige articulação entre governança contratual, monitoramento territorial e gestão documental. Operadores precisam garantir que os contratos incluam cláusulas específicas, que os dados geoespaciais sejam atualizados e precisos, e que as evidências estejam organizadas em relatórios técnicos capazes de alimentar diretamente o EUDR Information System, plataforma oficial da União Europeia que centraliza as declarações obrigatórias para exportação. 

Conformidade com a legislação brasileira

A conformidade com a EUDR exige alinhamento entre a legislação nacional — como o Código Florestal e o Cadastro Ambiental Rural — e os requisitos internacionais. A exigência de produção em conformidade com a legislação local representa, por si só, um desafio operacional para as cadeias agrícolas que atuam com múltiplos fornecedores e níveis de agregação. 

Para cadeias como soja ou gado, por exemplo, isso significa rastrear cada talhão ou fazenda, controlar o uso da terra, comprovar a não conversão florestal desde 2020 e manter auditorias e contratos que mapeiem toda a trilha de fornecedores.

Monitoramento, verificação e escalabilidade

Uma gestão robusta exige monitoramento contínuo: detecção de hotspots de desmatamento, alertas por mudança de uso da terra, e planos de ação para segmentos de risco. 

Os dados de observação da Terra, obtidos por sensores em satélites, são amplamente utilizados e validados por diferentes agentes e instituições públicas e privadas. Eles permitem uma visão sistemática histórica e o acompanhamento contínuo das mudanças de uso do solo. Contudo, o desafio está no gerenciamento e escalabilidade devido ao volume de dados gerados diariamente. 

A adoção de pipelines de grande escala para extração de dados por meio de IA e modelos de linguagem (LLM), aliada a estratégias de computação em nuvem (ex: contêiners e processamento descentralizado) contribuem significativamente para automatizar grande parte do processo de monitoramento em nível de parcela. 

Além disso, o benchmarking de risco de país adotado pela Comissão Europeia (categorias: baixo, padrão e alto risco) afeta a frequência e profundidade das checagens. Empresas brasileiras devem gravar métricas de conformidade, histórico de fornecedores e evidências para responder a auditorias e fiscalizações. 

Riscos e oportunidades para exportação

Para empresas que originam ou exportam commodities agrícolas, a implementação da EUDR representa tanto risco quanto oportunidade. Em nível de risco, os atrasos, falhas na coleta de dados ou uso de tabelas agregadas podem impedir o acesso ao mercado europeu ou gerar sanções expressivas — inclusive confisco de produtos ou bloqueio de acesso. 

Em nível de oportunidade, atender os requisitos da EUDR antes do deadline (30 de dezembro de 2025 para grandes e médias empresas, 30 de junho 2026 para pequenas) pode tornar as cadeias de valor brasileiras mais competitivas e atraentes para compradores globais que exigem rastreabilidade e compliance socioambiental. 

Checklist para implementação

  • Mapeamento dos fornecedores e estabelecimento produtivo: geolocalização, uso da terra, regularidade no CAR.

  • Desenvolvimento ou adaptação de sistema de cadastro de talhões: polígonos ou pontos, precisões definidas, metadados de imagem.

  • Integração do sistema geoespacial com ERP/sistema de compras para geração de “Due Diligence Statements” (DDS) por remessa.

  • Monitoramento contínuo por satélite: algoritmos de detecção de desmatamento, mudança de uso da terra, alertas automatizados.

  • Classificação e segmentação de fornecedores segundo risco de país, produto, histórico, conectando com lista da Comissão Europeia.

  • Auditoria interna anual e plano de ação de não‐conformidade: desvinculação de lotes, segregação, plano de recuperação.

  • Flow de envio da DDS ao EUDR Information System com manutenção de registros por mínimo cinco anos.

  • Treinamento multidisciplinar (jurídico, TI, compras, originação) para compliance transversal.

O agro brasileiro como referência global 

Para profissionais e pesquisadores do agronegócio, a EUDR é um regulamento de mercado europeu, mas, para além disso, é um catalisador estrutural de modernização das cadeias agrícolas. Ao impulsionar a rastreabilidade geoespacial, governança de dados e compliance ambiental com o mesmo nível de disciplina adotado em finanças ou logística, a EUDR redefine padrões operacionais. 

A integração entre tecnologia, legislação e cadeia de originação vai determinar quais empresas brasileiras se posicionarão como referência global em commodities sustentáveis. Antecipar esse alinhamento é vital para mitigar riscos, garantir acesso aos principais mercados e contribuir para práticas agrícolas de alto impacto socioambiental, traçando um novo standard para o agro no século XXI.

Alexandre Espinosa

Laíssa Resende Vasconcelos Naves é especialista em sustentabilidade no agronegócio e na cadeia de valor. Possui formação em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás e pós-graduação em Business Administration & Management pela Fundação Getulio Vargas. Sua atuação é focada em rastreabilidade, exportação e práticas ESG no setor agrícola, combinando visão estratégica e compromisso com a inovação socioambiental.

 

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Dirceu Ferreira Junior

Dirceu Ferreira Junior

Sócio-líder do PwC Agtech Innovation, PwC Brasil

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