Agosto 18, 2021
Por Marina Salles
O ecossistema empreendedor brasileiro está ansioso para dizer que tem seu primeiro unicórnio no agronegócio. E o grito, engasgado na garganta, deve sair em breve, se depender de Britaldo Hernandez, CEO da Solinftec.
A startup brasileira, fundada em 2007, é a mais cotada para o posto, segundo investidores e especialistas, — e promete se tornar a primeira agtech com valuation de US$ 1 bilhão no Brasil até o fim deste ano ou, mais tardar, no início de 2022, disse Hernandez ao AgTech Garage News.
“Mas antes de ser unicórnio, somos uma empresa ‘cucaracha’. Barata, em português. Porque, realmente, nossos primeiros anos foram de luta pela sobrevivência. Tivemos muito trabalho e, mesmo sem muitos recursos, chegamos onde chegamos”, frisa o CEO da Solinftec.
Homem, cubano, de 55 anos, Britaldo Hernandez pisou no Brasil pela primeira vez em 1998 sem a pretensão de fundar uma empresa, que dirá, um unicórnio. À época, ele trabalhava em um centro de pesquisa em Cuba com o desenvolvimento da automação de indústrias de cana-de-açúcar. Cotado entre os 100 pesquisadores mais importantes do seu país, chegou ao Brasil com o intuito de fazer um intercâmbio e, talvez, um doutorado. Nos planos, estava, sem dúvida, conhecer as indústrias açucareiras líderes no mundo.
E foi assim que o caminho de Britaldo se cruzou com o da Cosan, atual Raízen, e Clealco, peças-chave na criação da Solinftec. “Em visita às duas empresas, me comentaram que no Brasil havia gente muito competente desenvolvendo tecnologias na parte industrial, mas que tinha espaço para criar algo novo na agricultura”, diz.
O desejo, já naquela época, era de monitorar as máquinas no campo, fazendo uso de um conceito já conhecido na telefonia e na indústria aeroespacial, mas ainda estranho à agricultura, a tal da telemetria.
Hoje, a Solinftec monitora mais de 30 mil equipamentos agrícolas em tempo real (Crédito: Solinftec)
Os projetos nas lavouras começaram, então, informalmente, e Hernandez viu ali potencial para uma tese de doutorado que nunca sairia do papel. Em vez disso, o possível orientador, Tomaz Caetano Cannavam Ripoli, diretor de mecanização da Esalq-USP, já falecido, o convenceu de que estava diante de uma oportunidade de negócio. “O Ripoli me perguntou quantas máquinas estavam funcionando na Cosan e, quando eu falei em 2 mil, ele me disse: ‘Olha, se eu fosse você, eu abriria uma empresa’”.
Aquela frase ecoou na cabeça de Britaldo algumas dezenas de vezes e levou ele e mais seis colegas cubanos a se reunirem para discutir o que viria a ser a Solinftec: uma empresa de tecnologia, fundada por engenheiros e com sede em Araçatuba (SP).
De 2007 a 2013, a Solinftec atendeu poucos clientes, além dos dois do início (Cosan e Clealco), em parte porque a operação precisou ser tocada à distância por Hernandez de 2008 a 2010, em meio a uma difícil jornada para conseguir deixar seu país de origem. Sem um tostão no bolso, os empreendedores contaram com a fome dos clientes pela solução e um cheque de R$ 1 milhão da Clealco para dar o primeiro passo e colocar seu projeto piloto de pé.
Assim, a primeira frota completa com telemetria no Brasil — e Britaldo se arrisca a dizer, no mundo — foi de 600 equipamentos da Clealco e, depois, de 2 mil da Raízen, entre 2007 e 2008. “Era a primeira vez que se usava telemetria dessa forma massiva no mundo, e é verdade que o nosso produto não era muito complexo, mas era novo para o mercado”, diz.
Dali em diante, a trajetória seria de novas provações, ainda mais com a John Deere, revendedora exclusiva da Cosan, se unindo em uma joint-venture com a Auteq, “nosso principal concorrente na época”, lembra Hernandez.
Sempre com o espírito de “cucaracha”, o empreendedor acredita que a Solinftec sobreviveu pelo payback rápido da sua solução, de não mais de uma safra; por prezar pela missão incansável de se diferenciar e manter os clientes; e por entregar um produto completo, o que ficou provado, por exemplo, com a solução da Fila Única de Transbordo (FUT), que ele considera ter sido de grande impacto para o setor sucroalcooleiro desde o lançamento em 2013. A ferramenta foi capaz de reduzir em 20% o número de máquinas em operação nos canaviais dos clientes, aumentando a produtividade e reduzindo custos.
Bem-sucedida na cana, a Solinftec vem ampliando suas frentes de atuação com a mesma filosofia do início. “Estamos entrando em clientes de soja e nos dedicando a ser úteis e importantes, como sempre fizemos. A inadimplência pelo uso da ferramenta é quase zero também nesse setor, e todo mundo paga porque entende o valor da tecnologia”, afirma Hernandez.
Em grãos, no Brasil, a Solinftec monitora atualmente 1,7 milhão de hectares, que devem passar a 2,5 milhões de hectares até o fim de 2021 — atualmente, o equivalente à área produtiva de 9 entre 10 dos maiores produtores do país ou 3% da área total de grãos e fibras no Brasil, de 44 milhões de hectares. Em cana, são 6 milhões de hectares monitorados, cerca de 80% da área mecanizada da cultura no país.
O mercado de grãos deve se tornar o principal para a startup até o ano que vem (Crédito: CNA/Wenderson Araujo/Trilux)
“Decidimos ir para grãos porque, quando você fala de agricultura no mundo, o grande mercado é de soja, milho, trigo, cevada, a base da alimentação global. Estamos crescendo muito mais rápido em grãos do que crescemos em cana”, diz Hernandez, que espera que o setor graneleiro se converta no principal mercado para a Solinftec no curto prazo.
“Em Cuba, a gente guardava dinheiro embaixo do colchão, então, a Solinftec cresceu sem capital nem de banco, nem nosso, nem de outra fonte até 2016. Fomos recebendo da Clealco e da Raízen e fazendo o negócio crescer”, lembra o fundador.
Só mais tarde, com resultados para pôr à mesa, a Solinftec começou a atrair o interesse do mercado. Em 2017, foi a vez do TPG Alternative & Renewable Technologies (ART), braço do fundo americano TPG, se tornar sócio da startup, tendo hoje um terço das ações da Solinftec, segundo Hernandez. Outro terço está nas mãos do fundo Unbox Capital, da família Trajano (que liderou uma rodada de investimento de US$ 40 milhões na startup), e o restante permanece sob a tutela dos fundadores.
Na equação societária, por enquanto, Britaldo não planeja envolver acionistas majoritários, conselho que recebeu da própria Luiza Trajano.
“Em um dos primeiros contatos que tive com a Luiza, ela falou comigo do quão importante é uma empresa para o empreendedor, de como a gente vê os negócios como propósito. E disse que, se a Unbox fizesse uma proposta para comprar o controle da Solinftec, que eu não aceitasse. Ela olhou para mim e se deu conta de que eu tenho brilho nos olhos, que eu quero mudar o agronegócio e que essa mudança eu não posso perder”, afirma.
No tripé de sócios, Hernandez diz que ocupa a posição de “fundador faraônico”, que quer mudar o mundo e age mais pautado na emoção, tendo delegado aos fundos de investimento a área administrativa. “Quando eu tenho uma questão estratégica hoje, eu termino em uma reunião com a Luiza ou o Fred [filho de Luiza e CEO da Magazine]. A interação da Unbox conosco é diária e eles trabalham verdadeiramente na operação”, diz.
Hoje, a Solinftec tem 650 funcionários e monitora um total de 9 milhões de hectares em 13 países no mundo, incluindo os mercados de grãos e culturas perenes, como citros e café. Na América Latina, as operações são orquestradas da Colômbia, embora do Brasil a empresa controle os trabalhos no Uruguai e Argentina, estando presente em seis países na AL. Em 2020, a Solinftec entrou com força também nos EUA, e tem se relacionado com grandes cooperativas de grãos a partir de West Lafayette, no Estado de Indiana, em parceria com o Center for Food and Agricultural Business da Purdue University. A startup tem ainda uma base no Canadá.
Em termos globais, a agtech, prestes a ser alçada ao patamar dos unicórnios, projeta uma receita recorrente de R$ 230 milhões este ano, com R$ 170 milhões vindos do Brasil, R$ 45 milhões dos EUA e o restante dos demais países da América Latina.
Perguntado sobre o próximo grande desafio da Solinftec, Britaldo não esconde que tem algo em curso, e conta que tem desenvolvido tecnologias para operar fazendas autônomas. “A fazenda autônoma para mim não é uma coisa moderna, é uma necessidade e, por isso, estamos olhando para isso junto com a PUC-Rio e universidades chinesas”, diz o empreendedor.
Luiza Trajano, presidente do Conselho de Administração da Magazine Luiza
As 3 lições de Britaldo Hernandez, CEO da Solinftec