Julho 25, 2022
Por Marina Salles
Em Campo Mourão (PR), Durval Carneiro nasceu e se criou empreendedor. Não tinha nem tamanho e já vendia sorvetes para a molecada depois da escola, para ajudar na renda da família. “Quando eu conseguia comprar um litro de leite, meu pai falava para gastar o resto do dinheiro em bauru, meu lanche preferido, e fui ficando bom em vender”, diz.
Quando não aparecia na sorveteria, era o dono da fábrica que ia lhe buscar em casa. “Ele perguntava para a minha mãe se eu não estava com tempo livre, porque eu vendia o carrinho inteiro”. A técnica de vendas ele aprendeu sozinho: no calor do verão do Paraná, saía chupando sorvete na frente das outras crianças e, depois, esperava elas virem até ele. O carrinho, que saia cheio da sorveteria, sempre voltava vazio.
Durval vendeu de tudo na vida, de sorvetes e celulares a motos e sapatos. E a história com o agro não poderia ter começado de outro jeito: “Eu tinha um cliente no agro que comprava sabão para piso e sabonete líquido e que estava com uma vaga de vendedor de sementes. Como ele gostava do meu atendimento, me deu a oportunidade de fazer uma entrevista”. Durval sabia o quão difícil seria conseguir aquele emprego se dependesse da sua experiência no setor, mas isso não o abalou.
“Sou cristão e pedi para Deus que, se fosse da vontade dele, me contratassem. Aos olhos humanos, eu já sabia que seria a última opção”. Foram 2,5 anos trabalhando nessa empresa até que ele decidiu sair por problemas interpessoais. Sem encontrar oportunidade na concorrência, abriu o próprio negócio: a Alfa e Ômega Sementes, em 2015. “Virei empresário no susto, para não ficar parado e continuar no agro”, conta.
O primeiro escritório da nova empresa foi montado de forma improvisada, nos fundos do mercado do sogro e, daquela época, Durval guarda apenas uma foto de recordação. “Nem eu mesmo saí na foto porque não tinha mais ninguém para tirar”, lembra. Alfa e ômega são, respectivamente, a primeira e última letras do alfabeto grego clássico e fazem referência ao começo e ao fim, numa associação com Deus e a eternidade.
Na Trucker do Agro, as duas letras aparecem camufladas no nome do setor que o acolheu, uma referência também ao serviço logístico entregue de ponta a ponta. Aos poucos, Durval conquistou os primeiros clientes próprios na corretagem, cresceu o time da Alfa e Ômega, que hoje tem 7 pessoas, e seu olhar atento abriu outras portas no agronegócio.
O antigo e o novo escritório da Alfa e Ômega Sementes (Foto: Arquivo Pessoal)
“A Trucker nasceu por causa da semente. Foram os relacionamentos que eu fiz que me levaram mais longe”, afirma Durval. Envolvido com as negociações do insumo dia sim, dia também, ele ouvia dos compradores do insumo que queria que o vendedor fosse fazer a entrega. Mas o vendedor queria que fosse o comprador a ir entregar. Estava claro que ali havia um problema, e Durval se propôs a encontrar a solução.
Tirando recursos do próprio bolso, ele foi investindo no desenvolvimento da Trucker do Agro — startup de logística para o agronegócio. Da Alfa e Ômega, só descontava o suficiente para comer, beber, pagar a escola dos meninos e os funcionários. “Não sobrava um real para nada e, quando o dinheiro acabou, vendi meu carro para poder lançar o aplicativo no Show Rural”, conta. O dinheiro do carro pagou o estande na feira e financiou a ida dele e do time, a essa altura com mais 4 pessoas, para Cascavel (PR).
Mais uma vez, uma luz pareceu ter vindo do céu. Foi no Show Rural Coopavel que Durval conheceu o primeiro investidor da Trucker do Agro, Guilherme Kudiess, da Ventiur Aceleradora. Ele era jurado do concurso Sebrae Like a Farmer, do qual a Trucker do Agro ficou entre os três primeiros e saiu com um cheque no valor simbólico de R$ 500. Até hoje Durval tem o checão na gaveta, mas foi o investimento de Kudiess e o apoio da Ventiur Aceleradora que ajudaram a Trucker do Agro a sobreviver à pandemia.
Durval Carneiro (com o cheque) ao lado dos colaboradores da Trucker do Agro e Guilherme Kudiess (à sua dir.) (Foto: Arquivo Pessoal)
O lançamento da startup havia acontecido justo em fevereiro de 2020. Em março, tudo parou, mas ali Durval não tinha mais seu carro e tinha que se preocupar em manter a família, com uma integrante recém-chegada, a filha mais nova. O cenário não dava margem para tempo ruim. Em casa, apoiado sobretudo pela esposa e os filhos, ele repetia: “Isso daqui, na hora que virar, vai trazer bons frutos”, referindo-se à sua startup.
A colheita da Trucker do Agro
Se depender da prole, Durval brinca que a Trucker do Agro precisa correr, para logo se tornar um unicórnio. Na rodada de investimentos em curso no momento, o negócio foi avaliado em R$ 12,5 milhões. A captação deve chegar a R$ 1,5 milhão divididos em seis cotas, que têm como investidoras diferentes sementeiras. Por enquanto, já foram fechadas cinco delas. Por questões de compliance, Durval abre o nome de quatro sócias: Polato Sementes, Sementes Petrovina, Sementes Máxima e o Grupo Sulina. Boa parte dos investidores está em Mato Grosso e foi apresentado por contatos do AgriHub, de Cuiabá (MT), ligado à Federação da Agricultura e Pecuária do Estado, a Famato.
A Trucker do Agro também é startup membership do AgTech Garage, o que lhe permitiu estar entre as participantes do Safra de Inovações, reality show promovido pela John Deere e do qual Durval foi anunciado vencedor. “Eu falo que é Deus. Tinha começado a observar o mercado de fretes para máquinas agrícolas, queria entender melhor essa oportunidade, e aí um dia recebo uma ligação do AgTech Garage falando de um projeto com a John Deere”, diz. “Fiquei animado sem nem saber o que era”, conta.
Na época, o reality show ainda era um assunto confidencial e, ainda que sem muita informação, Durval seguiu adiante. A felicidade de chegar a ser selecionado entre 100 startups, depois 15 finalistas, para uma competição com 9 startups, foi tanta que ele não lembrou de perguntar sequer qual era o prêmio final do programa. “Fui descobrir no último episódio que era uma viagem para o Cinturão do Milho nos Estados Unidos”, afirma. Esta será a primeira viagem de Durval para o exterior. No Brasil, ele já provou que está no caminho certo para crescer no ramo logístico.
A Trucker do Agro tem hoje 12 pessoas no time e 280 transportadoras e 150 embarcadores cadastrados no seu aplicativo. No primeiro semestre de 2022, fez a conexão para carregamento de 80 mil toneladas de cargas, entre as quais sementes, fertilizantes e commodities agrícolas. Os principais diferenciais do negócio, segundo o empreendedor, são a oferta de cashback aos clientes e o acesso via aplicativo, que facilita e otimiza a cotação de fretes, reduzindo custos com a logística no agronegócio.
Durval Carneiro recebe o prêmio do Safra de Inovações, reality show agrícola promovido pela John Deere (Foto: CNN Brasil)
“Entrei no mundo da tecnologia e estou apaixonado por tudo isso. Há muitas oportunidades aí fora e quero aproveitar cada uma delas. Nossa meta na Trucker do Agro é ser a principal ferramenta de logística do agronegócio na América Latina, e é o desafio que eu identifiquei no transporte na cadeia que me move a querer ser referência”, afirma. O menino que vendia sorvetes no Paraná agora passa calor em outras bandas. Para acelerar a startup, se mudou para Rondonópolis (MT), onde vai estar mais perto dos novos sócios sementeiros. Nas estradas da vida, Durval está atrás de realizar seus sonhos.