Outubro 11, 2022
Por Marina Salles
O agronegócio sustentável já pode comemorar o registro da primeira CPR-Verde com a finalidade de restaurar uma área de 2 hectares com floresta nativa no Brasil, que se deu em caráter piloto e pode abranger até 25 hectares. A área em questão fica na zona de transição entre os biomas Cerrado e Mata Atlântica, no mini Pantanal paulista, e deve ter sua paisagem alterada no prazo de três anos pelo projeto fruto do financiamento da CPR-Verde, que prevê o plantio de mudas nativas em uma área de lavoura degradada.
Atuando em diversas regiões do Estado de São Paulo, onde já há um mercado regulado de restauração florestal, a Assobio Soluções Socioambientais responde por esse e outros projetos de restauração ecológica, trabalhando com fazendas em processo de adequação ao Código Florestal, concessionárias de rodovias e empresas com processos de licenciamento. A CERC, infraestrutura de mercado financeiro especializada em recebíveis, realizou o registro, em operação coordenada pela Sintropica Capital Natural, startup focada no pagamento por serviços ambientais e residente do AgTech Garage, em Piracicaba (SP).
“A CPR-Verde nos ajudou a obter um capital de impulsionamento para a restauração de uma área degradada em uma fazenda de cana-de-açúcar às margens do Rio Piracicaba, onde estamos iniciando a preparação do solo para o plantio de mudas de espécies nativas”, conta Geysa Borini, diretora da Assobio. “Futuramente, este instrumento poderá nos ajudar a levantar capital para operarmos uma restauração ecológica em maior escala, diminuindo nossos custos de transação e ampliando a nossa equipe”, diz.
A emissão acontece um ano depois da publicação do Decreto Federal nº 10.828, que regulamentou a CPR-Verde, e pode destravar novas operações de financiamento privado de projetos de restauração florestal. Até então, já tinham sido feitos pagamentos pela manutenção da “floresta em pé” no Brasil, mas não pela restauração florestal, o que demandou superar diferentes trâmites burocráticos.
No caso da CPR-Verde para restauração florestal (a primeira nesta categoria) emitida em 5 de outubro de 2022, Fernando Henrique de Sousa, CEO da startup, explica que a Sintropica tem investido em pesquisa e desenvolvimento de modelos de valoração de serviços ambientais e na implantação de um sistema de processamento de dados para esse fim. Essas informações ficam disponíveis no geoportal da Sintropica, criando a rastreabilidade dos dados.
O desenvolvimento tecnológico para viabilizar a operação contou com o suporte da CERC, que precisou adaptar sua estrutura de registros, tradicionalmente voltada para informações sobre sacas de grãos ou outros produtos agrícolas. Com a parceria entre a CERC e a Sintropica, o sistema da registradora passa a contemplar também itens como “restauração de floresta nativa”, “toneladas de carbono sequestrado” e “índice de atividade biológica do solo”.
“Nosso time de tecnologia deu foco no aprimoramento do sistema de registros para viabilizar esta operação, pois está alinhada com nossa visão de contribuir para um agro sustentável”, afirma Fernando Fontes, CEO da CERC. Tradicionalmente, as CPRs (Cédulas do Produtor Rural) eram utilizadas pelos produtores rurais para compra de insumos, como fertilizantes e defensivos agrícolas.
Desde 2021, a CPR-Verde permite financiar também ações de cunho ambiental. “Com essa operação, mostramos que o agronegócio pode conciliar produção e meio ambiente de maneira lucrativa”, diz Sousa, da Sintropica. Hoje, o valor médio de mercado de 1 hectare de floresta restaurada gira na casa de R$ 50 mil. No caso desta operação, o recurso correspondente já foi liberado à Assobio Soluções Socioambientais para conduzir o plantio das mudas nativas, graças ao financiamento de um investidor pessoa-física que depois poderá negociar a CPR-Verde com empresas que têm obrigações junto à Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb).
A partir deste primeiro case de sucesso, CERC e Sintropica planejam novos passos em conjunto, prevendo empacotar a CPR-Verde em operações estruturadas, como CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio), Fiagros e tokens. Com expertise no gerenciamento das informações de ativos ambientais e a custódia de dados financeiros, a Sintropica visa ainda trabalhar em parceria com cooperativas, revendas e seguradoras para fazer análises no “atacado” e beneficiar um número maior de produtores e investidores.
Entre o público investidor, estão empresas que buscam neutralizar suas emissões de gases de efeito estufa ou investir em ações de ESG. “Vislumbramos um cenário onde o investidor estará cada vez mais atento à gestão de risco climático dos títulos do agro e operações que contam com CPR-Verdes originadas em fazendas que realizam cuidados com a conservação do solo e a proteção da floresta nativa”, diz o executivo da startup. Este tipo de ação, segundo ele, torna as fazendas mais resilientes a quebras de safra em anos de crise hídrica, como a que ocorreu em 2021.
Hoje, o valor médio de mercado de 1 hectare de floresta restaurada gira na casa de R$ 50 mil (Foto: Assobio Soluções Socioambientais)
“Cultivar florestas nativas é algo novo para os bancos e investidores, e dimensionar as oportunidades e riscos é uma das nossas tarefas. Em projetos de restauração, você tem a adicionalidade do sequestro de carbono pela vegetação, melhoria da condição hídrica do solo, redução da erosão. A fazenda se beneficia também porque ‘ganha uma regularização de graça’ e o executor passa a poder vender esse serviço adiantado. Isto é, a floresta começa a ser formada hoje e você já pode negociar o ativo”, explica Sousa. Por outro lado, é necessário considerar também o risco de a espécie nativa não vingar quando for feito o plantio, o risco de incêndio, entre outros, o que a Sintropica dimensiona.
Para avaliar e gerenciar riscos e oportunidades relacionados aos ativos ambientais, a startup utiliza como referência o framework global de sustentabilidade Taskforce on Nature-related Financial Disclosures (TNFD), que confere transparência às operações para os investidores.
O governo federal estima que a CPR-Verde possa girar R$ 30 bilhões até 2025, seja em operações que envolvem o pagamento pela floresta em pé, pela restauração, aumento da biodiversidade, preservação dos recursos hídricos, conservação do solo etc. Atualmente, a Sintropica atua no mercado cobrando um percentual por operação realizada.