Fevereiro 7, 2022
Por Marina Salles e Vitor Lima
Em mercados competitivos, fideliza o cliente quem identifica as suas demandas e entrega a melhor oferta. E é sob essa ótica que o produtor Pedro Merola enxerga o mercado de carnes. À frente da Fazenda Santa Fé, em Santa Helena de Goiás (GO), e como sócio do açougue Feed, no bairro paulista do Itaim Bibi, sua principal missão é deixar satisfeito o cliente do outro lado do balcão.
“O Feed, por exemplo, fez o caminho inverso de muitos negócios. Eu pensei: como eu gero valor para o consumidor final no prato desde a fase da produção zootécnica? Como faço para que o sabor da carne seja o melhor, sem oscilação de qualidade?”, disse Merola durante a Jornada de Aprendizagem promovida pelo AgTech Garage.
Na receita do sucesso dentro da fazenda, os principais ingredientes são a genética e a nutrição dos animais. Já no açougue, o cuidado é com os cortes das carnes, feitos pelas mãos de especialistas, e também com o preparo, ensinado pelo chef do restaurante do Feed em oportunidades especiais.
No Feed, a qualidade da carne no prato do consumidor é pensada desde antes de o animal nascer (Foto: Feed)
O gosto por atender bem o cliente, segundo Merola, é de família. Começou ainda em 1933, quando a Santa Fé foi comprada pelo seu bisavô. Merola é da quarta geração de pecuaristas e assumiu os negócios em 2008. De lá para cá, foi modernizando as atividades e tomou a decisão de ser um prestador de serviços.
Hoje, em uma área plantada de 5 mil hectares, a fazenda produz sementes de milho em parceria com gigantes de insumos e entrega tomates de alta qualidade para a Kraft Heinz. A irrigação está presente em 60% da área e Merola ainda recorre a outras tecnologias para aumentar sua produtividade. “A nossa parte de agricultura é muito tecnificada, nós temos monitoramento de máquinas, clima, gestão de pessoas, frota, SAP”, diz.
Na pecuária, os clientes da Santa Fé são outros pecuaristas, ou melhor, os bois deles, recebidos no boitel da fazenda por um período aproximado de 100 dias, para fazer a engorda no confinamento. “Como sempre fui apaixonado por gestão, tive a ideia de confinar não só os meus animais, mas os dos outros pecuaristas. Afinal, é muito caro ter uma estrutura pequena de confinamento e na Santa Fé conseguimos ter escala. Confinamos cerca de 80 mil animais por ano”, conta o produtor.
A fidelização do cliente, no fim do dia, é o alvo de Merola e a tecnologia é o principal instrumento que ele usa para servir bem. No boitel da Santa Fé, o principal diferencial da operação são as balanças de pecuária de precisão da Bosch, instaladas a partir de 2017 e que hoje somam 210 unidades na fazenda, sendo uma por piquete.
Todo dia, cada animal é pesado oito vezes nesse sistema. Em um ano, são cerca de 64 milhões de pesagens registradas — o que, provavelmente, faz da Santa Fé a fazenda pecuária com o maior Big Data do mundo.
Com esses dados de pesagem, Merola faz o monitoramento do rebanho em tempo real e consegue identificar qual o melhor direcionamento para dar a cada animal. O sistema da Bosch entende os bois como indivíduos, ao invés de trabalhar com médias.
Ao longo de um ciclo no confinamento, Merola tem custo de R$ 20 por animal com a tecnologia e retorno de R$ 70 a R$ 130 por animal por ciclo, o que em parte é revertido também em lucro para os confinadores parceiros.
Em confinamentos tradicionais, decidir se o boi está ou não pronto para o abate é trabalho do olho humano, realizado por profissionais treinados, mas usando métodos subjetivos. A balança da Bosch, ao contrário, consegue identificar pela curva de ganho de peso individual se o boi tem potencial de seguir engordando, se não é capaz de engordar mais ou nunca teve pré-disposição de ganhar peso com a dieta do confinamento (algo nítido diante do baixo desempenho no cocho). Além disso, o sistema ajuda a monitorar problemas de saúde entre os animais.
O módulo de performance, que pesa os animais para gerar o banco de dados, é o norte para a tomada de decisões na Fazenda Santa Fé (Imagem: Bosch)
“A gente descobriu que não sabíamos nada de pesagem. Os animais variam muito de peso durante o dia, e cada pesagem é uma foto. Quando temos muitas pesagens ao dia, nós fazemos um filme. E estou falando de um filme por animal, não de médias”, conta.
Pesando um animal em dois momentos do dia na balança convencional, Merola conta que já chegou a observar uma variação de 30 quilos no peso vivo. “Você começa a entender que o peso dinâmico é diferente do peso estático e que o ganho de peso de cada animal é brutalmente diferente. Alguns ganham 650 gramas/ dia e outros 3 quilos/dia. Na média são 1,8 quilos/dia”, afirma, reforçando que a média não diz nada.
Entregar uma carne com padrão de qualidade constante para o consumidor é uma tarefa difícil no Brasil, quando se fala de produção em escala comercial. Na indústria, a régua para a classificação dos animais no abate é ampla, e uma fêmea com acabamento de gordura mediano pode terminar embalada da mesma forma que um macho castrado com cobertura uniforme. O olho humano se antecipa ao paladar.
Pensando no sabor da carne no prato, Merola inaugurou o Feed em 2014, com o objetivo de entregar uma carne de alta qualidade a preços mais acessíveis ao consumidor, partindo do controle da cadeia de produção de ponta a ponta.
Cuidando da escolha da raça e da genética dos animais, da sua alimentação e performance diária, e levando o conceito dos empórios para sua loja física, com foco na experiência do consumidor, o Feed se autointitula um Açougue do Produtor.
“A alimentação tem que prezar pela máxima qualidade do produto. Sabor, suculência e prazer na alimentação são jogos maiores. Por isso, olhamos a partir do prato para agir já confinamento”, afirma Merola.
Perguntado sobre se é possível garantir a qualidade da carne sem o controle de toda a cadeia de produção da carne bovina, ele responde: “Sem controle total da produção, beira o impossível evitar a oscilação de qualidade da carne. A decisão da indústria sobre a carne que vai para cada marca vem do aspecto visual”. O método não garante a suculência ou maciez dos cortes em todos os casos, por isso, nem sempre agrada o paladar.
Do ponto de vista de Merola, ainda que para atender um mercado de nicho, das carnes especiais, tem valido fazer o caminho inverso: da mesa até o campo. No prato dos clientes, ele já serviu até carne que você pode cortar com a colher.
Este conteúdo faz parte da Jornada de Aprendizagem do AgTech Garage, uma iniciativa da área de Learning Experience — a escola do futuro aqui e agora.