Lina Lisbona, da Barn Investimentos: “A gente busca soluções práticas, não soluções românticas”

Com tese de investimentos em greentech, a gestora de Venture Capital olha para tecnologias que promovem o uso eficiente dos recursos naturais e contribuem para a adaptação climática

Novembro 10, 2022

Por Marina Salles

Ser sustentável não tem nada de romântico. Ao contrário, tem tudo de prático, na visão de Lina Lisbona, sócia da gestora Barn Investimentos, que investe em greentechs sob a ótica de cinco áreas. A principal delas, o agronegócio. “A sustentabilidade é um triple bottom line: tem que ter a parte social, ambiental e financeira”, lembra. Sem qualquer uma das pernas, o tripé não se sustenta e cai.

Economista de formação pela American University, de Washington, nos EUA, Lina sempre buscou entender, de forma objetiva e prática, como os mecanismos financeiros poderiam ajudar a diminuir as desigualdades sociais. Uma de suas referências é, por exemplo, o case do Grameen Bank, ou Banco Rural de Bangladesh, especializado na concessão de microcrédito a pessoas de baixa renda. O banco, fundado em 1976 por Muhammad Yunus, já emprestou dinheiro a milhões de correntistas, em sua esmagadora maioria (mais de 90%), mulheres. 

Com 20 anos de mercado, Lina teve a oportunidade de sentar dos dois lados da mesa em prol do desenvolvimento sustentável. Do lado dos investidores, operou a gestão de patrimônio e alocação de capital em oportunidades de impacto. Junto aos empreendedores, sobretudo da área ambiental, fez a estruturação e implementação de planos de negócios, além da captação de recursos, para transformar sonhos em realidade. 

Há quase quatro anos, Lina Lisbona é sócia de Flavio Zaclis e Thiago Mendes, na Barn Investimentos. Acompanhe a entrevista com a investidora:

AgTech Garage News: Em que momento sua história se cruza com a da Barn?

Conheci o Flavio Zaclis e o Thiago Mendes, sócios na Barn, em 2018, enquanto trabalhava com estruturação de pipelines sustentáveis de investimento. Naquela época, eu estava envolvida, até o último fio de cabelo, com questões como: onde estão as oportunidades de investimento sustentável? O que é uma tese de impacto relevante? Qual a melhor forma de medir impacto e apresentar isso para os investidores? E o Flavio e o Thiago já nutriam a vontade de ter um fundo temático, mais especializado nessa linha. Em 2019, então, me juntei ao time como sócia, e começamos a pensar numa tese.

No que o Brasil  é líder? No que a América Latina é líder? Onde estão as vantagens competitivas? Olhando para frente, qual vai ser o papel desta região? Em quais demandas de mercado a gente vai precisar evoluir e onde estão as tecnologias para ajudarmos a alimentar 8 bilhões de pessoas em 2050? A gente via os recursos naturais da região, a floresta tropical, matriz energética limpa, todo o mercado de carbono, um grande polo produtor de agricultura e alimentos para o mundo e muitos desafios também. Lado a lado das vantagens competitivas, a América Latina sempre teve uma camada confrontando tudo isso, que é a das ineficiências. É só olhar para o desperdício de água, de comida, para o desmatamento. 

Baseados nisso, a gente desenhou a tese de investir em greentechs a partir de cinco verticais, sendo o agro a principal delas, e as outras quatro: transporte e mobilidade; indústria limpa (economia circular etc); energia renovável e novos materiais. É tudo que permeia como produzir mais de forma mais limpa, mais eficiente, usando menos recursos naturais, de forma mais sustentável, emitindo menos gases de efeito estufa e também facilitando toda a agenda de adaptação climática. Esse é o pano de fundo para os investimentos que fazemos.

AgTech Garage News: No agro, quais vieses determinam se uma startup tem a "pegada verde" que a Barn demanda?

Fazendo um recorte da nossa tese para o agro, tem duas possibilidades: ou a tecnologia está promovendo o uso eficiente dos recursos naturais (ganho de eficiência e, por consequência, está mitigando emissões) ou, por outro lado, está prestando serviços que contribuem para a adaptação climática (considerando que o aquecimento global está aí e que impacta a agricultura, olhamos para tecnologias que vão ajudar nesse novo cenário). 

Falo aqui de tecnologias que vão desde sementes mais resilientes ao estresse hídrico a mecanismos financeiros para pequenos e médios produtores, para diminuir a exposição a riscos climáticos e choques externos.

AgTech Garage News: Pode dar exemplos de como as investidas da Barn endereçam essas duas avenidas? 

A gente fez diversos investimentos, Agrolend, que dá crédito para pequenos e médios produtores e cuida do compliance ambiental, é um deles. Grão Direto, que permite ao pequeno e médio produtor vender sua produção diretamente ao mercado e que agrega a rastreabilidade ao grão, é outro. Pensando no cenário de adaptação climática, esse tipo de tecnologia soluciona a demanda real de diminuir a vulnerabilidade do produtor, seja por meio do acesso a crédito ou a mercado. 

Agritask é mais um exemplo, porque ajuda a democratizar o acesso ao seguro rural, e traz uma tecnologia ligada à adaptação climática na medida em que auxilia a garantir a segurança alimentar e proteger esse produtor. O mesmo vale para a Agrotoken, de tokenização de grãos, que permite ao produtor fazer um hedge em vez de ficar exposto à volatilidade do câmbio. 

Nós também investimos na Rúmina, uma plataforma de soluções para a pecuária, entendendo que hoje a pecuária trilha um caminho que a agricultura percorreu 10 anos atrás, de tecnificação. Vocês estão falando de clima e investem em pecuária? Sim. Uma pecuária sustentável demanda rastreabilidade, monitoramento da saúde animal e ganhos de eficiência. Com isso, a pecuária emite menos gases de efeito estufa. Além disso, a gente não acredita que as pessoas vão parar de comer carne, pelo menos, não agora. 

AgTech Garage News: Como vocês diferenciam o joio do trigo na hora de identificar oportunidades de investimento? 

A gente busca soluções práticas, não soluções românticas. Buscamos soluções para problemas reais, que até podem não estar massificados ainda, mas que serão grandes problemas daqui dois ou três anos. E a gente checa tudo com o mercado. 

Eu estou olhando uma solução na agricultura ou na pecuária? Eu vou checar na ponta. Converso com uma grande corporação e pergunto: Isso é um problema para você? E essa solução, de fato, endereça seu problema? Eu vou falar com o consumidor final para ver se tem uma geração de valor real para ele também, para além do impacto. 

A sustentabilidade sempre é um triple bottom line: tem que ter a parte social, ambiental e financeira. A gente é muito, muito criterioso em entender quais são essas soluções e acho que um outro ponto é perceber se são soluções escaláveis, que resolvem uma grande parte dos problemas de descarbonização, emissão, ganho de eficiência, de dar transparência aos processos e segurança. 

AgTech Garage News: Como a Barn mede os indicadores de impacto de forma a que sejam transparentes e objetivos?

A gente mede impacto em dois momentos hoje: uma vez no pré-investimento e, de forma recorrente, no pós. Em cada um dos casos, seguimos uma metodologia. 

No pré-investimento, usamos uma metodologia interna, chamada BOIS SCORECARD SYSTEM, e observamos três critérios sociais (impacto-econômico/ bem-estar/ trabalho digno) e três ambientais (eficiência de recursos/ contribuição de ecossistemas/ mitigação e adaptação climática). 

Já no pós investimento, a gente monitora as métricas do IRIS+ e faz um relatório anual a partir de checkpoints trimestrais. O IRIS+ é uma ferramenta gratuita e disponível ao público, administrada pela Global Impact Investing Network (GIIN), referência a nível mundial para reportar impacto.

AgTech Garage News: Pode dar mais detalhes dessas metodologias?

No caso do BOIS, desenvolvido por mim, a gente atribui uma nota para cada um dos critérios sociais e ambientais, que pode ser -1, 0 ou 1. O -1 denota impacto negativo. O zero é nenhum impacto. O +1 é impacto positivo. A nota final das empresas, portanto, varia de -6 a +6. Não há um valor mínimo a ser atingido, mas consideramos que nenhum critério pode ter nota zero ou negativa para receber o investimento da Barn. 

Avaliação pré-investimento da startup Agrolend realizada pela Barn Investimentos (Fonte: Impact Report – 2021/Barn)

Exemplificando os critérios ambientais... No caso da eficiência de recursos, a gente se pergunta: essa tecnologia vai, de fato, reduzir o uso da água num determinado processo? Qual o impacto em recursos que essa tecnologia tem? Em contribuição para ecossistemas: vai degradar o solo? Vai gerar lixo? Piora os ecossistemas ou pode melhorar? Depois, como essa tecnologia impacta a agenda de mitigação ou adaptação climática? Ela ajuda os mais vulneráveis à mudança climática? Ou está explorando essas populações?

Uma vez feito o investimento, usamos as métricas do IRIS+, criado pela ONU (Organização das Nações Unidas), e que hoje é o sistema mais usado para reportar impacto, por todos os fundos e investidores, sendo uma forma de estandarizar esses números. Você quantifica os impactos conforme os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Tem alguns que são mais transversais, posso olhar mulheres contratadas e mulheres na gerência. 

Só de falar de impacto e ter essas discussões com os empreendedores, já provocamos muitas reflexões. E esse relatório é público, então abrir para o mercado acaba sendo um super incentivo para melhorar os Indicadores-chave de performance (KPIs). A gente faz isso para cada uma das startups, e é assim que reportamos para os investidores. 

AgTech Garage News: A Barn ainda não investe em startups que atuam especificamente no mercado de carbono. Como veem esse mercado?

A gente ainda não achou “o” ativo para investir e entendemos que o mercado de carbono e as tecnologias associadas ainda estão em processo de maturação. A descarbonização é uma pirâmide. Na base, você tem a melhoria e otimização das práticas correntes. Depois, no meio, estão as tecnologias que demandam mudança de processo e investimento. Por último, a grande companhia vai descarbonizar e fazer o offset e aí ela compra o crédito. 

Hoje, na Barn, olhamos mais para o primeiro e o segundo degraus da pirâmide, porque acreditamos que ainda tem muita coisa para ser feita e desenvolvida até chegarmos lá no topo. Além disso, é outro ciclo de capital e existem grandes fundos investindo nessa estruturação. 

Se você vai fazer um ciclo de reflorestamento com uma super adicionalidade, excelente, incrível. Tem que ter um incentivo econômico para fazer isso. Mas são fluxos de caixa que não são tão compatíveis com a nossa atividade de Venture Capital, é uma outra curva de retorno e de tempo.

AgTech Garage News: Hoje, quais são os bolsos mais propensos a investir no mercado de carbono?

Esse investidor normalmente é o investidor institucional ou estruturas de blended finance, em que vai entrar um player a fundo perdido, para tirar o risco inicial e depois crescer em equity. São outros prazos, com outra curva de retorno. Nature based solutions [Soluções baseadas na natureza] têm mais essa cara, fluxos de caixa mais longos e não tão agressivos quanto os do Venture Capital. São riscos menores e projetos razoavelmente seguros, mas de longo prazo. 

AgTech Garage News: Na sua opinião, o agro e a sustentabilidade já caminham juntos, para além do discurso? 

Hoje, nenhum produtor grande, relevante, deixa a sustentabilidade de lado. Eles entendem ser preciso ter tanto as práticas quanto o compliance ambiental em dia. Esses players veem, cada vez mais, a olho nu, o que é uma degradação de solo e o solo é o principal ativo da agricultura. Justamente por isso, produtores, principalmente os grandes, com quem a gente conversa bastante, têm a sustentabilidade como core business. 

Ser sustentável, para agregar valor, para acessar mercado e diminuir riscos reputacionais, é mandatório. Além disso, a pandemia de covid-19 e a guerra entre Rússia e Ucrânia, que provocaram quebras na cadeia de suprimentos, mostraram a necessidade de se preparar para choques internos e externos, seja diminuindo a dependência internacional ou a exposição ao risco. Rupturas como essas podem se tornar mais frequentes, por conta do clima ou de guerras e pandemias, e a responsabilidade de adaptação só aumenta. Por isso mesmo, a sustentabilidade é uma conversa que não sai mais da mesa.

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Dirceu Ferreira Junior

Dirceu Ferreira Junior

COO do PwC Agtech Innovation e sócio, PwC Brasil

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