Marfrig e SafeTrace usam rastreabilidade para fortalecer a cadeia pecuária nacional

Plataforma visa facilitar registros e informações de origem de rebanhos para garantir compras responsáveis e mais acesso a mercados

Março 14, 2022

Por Vitor Lima*

De olho nas dificuldades identificadas na cadeia da produção pecuária no Brasil, a gigante de alimentos à base de proteínas, Marfrig, anunciou que vai trabalhar em conjunto com a líder brasileira em rastreabilidade alimentar, a SafeTrace para coibir irregularidades no fornecimento de carnes. A meta é trocar a exclusão de fornecedores irregulares de gado de corte e apostar na inclusão de mais criadores no mercado, de forma regularizada, transparente e controlada.

No Brasil, a pecuária representa 10% do PIB Nacional, com cerca de 200 milhões de cabeças de gado e 40 milhões de abates anuais. Das 5 milhões de propriedades rurais existentes no país, pelo menos 2,5 milhões atuam no setor. No entanto, a produção pecuária brasileira é marcada pela não-verticalização da cadeia. Boa parte das fazendas é especializada em diferentes etapas da criação e apenas uma minoria atua no sistema completo, com cria, recria e engorda. Essa situação torna mais difícil o registro e a identificação da origem precisa dos animais que chegam aos frigoríficos.

De acordo com Vasco Varanda, diretor de Novos Negócios da SafeTrace, é preciso transformar o setor, que ainda possui uma estrutura de fornecedores diretos e indiretos grande, para evitar as irregularidades. “O fornecedor direto [que vendem diretamente aos frigoríficos] representa um desafio de monitoramento, e os indiretos [que vendem aos fornecedores diretos], mais ainda, e exigem grande articulação da cadeia”, diz. “Os grandes frigoríficos são os principais agentes de transformação do setor, já que os frigoríficos menores ainda levam um nível de irregularidade grande”.

A parceria entre as duas companhias prevê a rastreabilidade como uma ferramenta capaz de devolver ao setor a regularização dos pecuaristas e ainda, de facilitar o acesso deles às opções de mercado.

“A pecuária envolve cadeias produtivas complexas, que são, por natureza, descentralizadas. Daí o fit tão bom da tecnologia de blockchain para a rastreabilidade”, conta Varanda, da SafeTrace. (Crédito: Arquivo Pessoal/Linkedin)

Chave de inclusão

A Safetrace desenvolveu uma ferramenta de rastreabilidade para gado de corte chamada Conecta. A solução é estruturada em três vertentes, Mobile, Web e Blockchain (sistema que permite rastrear o envio e o recebimento de blocos de dados pela internet), que são peça-chave para o compartilhamento de informações sobre a cadeia.

A parceria das duas gigantes prevê o uso dessa plataforma para promover a reinserção dos produtores de gado que foram associados ao desmatamento ilegal nos biomas Amazônia, Cerrado, Pampa e Pantanal. O software opera em multiprotocolos para oferecer, também, possibilidades de compras responsáveis e customizadas, de acordo com as necessidades e demandas das empresas. 

A Plataforma Conecta é uma ferramenta de qualificação, rastreabilidade e transparência com cobertura integral da cadeia produtiva de carne bovina. (Divulgação/Marfrig)

Paulo Pianez, Diretor de Sustentabilidade e Comunicação Corporativa para a América do Sul na Marfrig, explica que, na cadeia da pecuária, a confiança do produtor é um dos elos de maior relevância para a adesão dos players à plataforma. “A Conecta abrange todo e qualquer frigorífico que queira participar da plataforma. Não é uma ferramenta dedo-duro, e o pecuarista não deve ser autuado ao fornecer suas informações. Trabalhamos junto com os governos, e associações para que eles possam voltar a acessar os melhores mercados”.

Paulo Pianez, da Marfrig, afirma que as informações sobre a origem dos rebanhos são trabalhadas em conjunto com o Ministério Público Federal e a plataforma é acessível a todos os grupos empresariais (Foto: Divulgação/Marfrig)

O modelo de expansão da plataforma se baseia no crescimento orgânico, a partir da indicação “de produtor para produtor”. A adesão de novos pecuaristas é ponto central para atingir a robustez da tecnologia, que se baseia em blockchain, um banco de dados descentralizado para registro seguro de informações. Segundo Pianez, trata-se de uma plataforma multi-stakeholders e o trabalho junto ao Ministério Público Federal (MPF) e associações do setor, garantem que as informações não estarão direcionadas apenas a um grupo empresarial. 

Para se cadastrar na plataforma, o pecuarista precisa passar por etapas obrigatórias: adesão e cadastro na plataforma, autorização de acesso ao banco de dados oficiais e a readequação, feita através do Programa Agropecuária Sustentável, do Governo Federal.

Especificamente para a Marfrig, a solução traz um valor direto, já que dos 16 mil fornecedores de carne bovina da companhia, pelo menos 4 mil estavam bloqueados por irregularidades ambientais ou fundiárias. Atualmente, a companhia monitora e rastreia, diariamente, 60% da cadeia nos biomas Cerrado e Amazônia, cerca de 30 milhões de hectares. Com as ações de rastreabilidade, 60 mil produtores foram desbloqueados em 2021, de acordo com a empresa.

Triangulação do gado de corte

A heterogeneidade dos agentes da cadeia pecuária brasileira é um dos maiores desafios. Pelo menos 70% são pequenos produtores (com até 100 hectares) com baixos níveis de tecnificação e acesso a recursos. A dificuldade para a tomada de crédito, por exemplo, é uma das principais barreiras para o investimento em produções sustentáveis, integração lavoura-pecuária ou melhoria genética de rebanhos.

Em 2009, um relatório chamado “A Farra do Boi na Amazônia”, elaborado pela Organização Não-Governamental (ONG) Greenpeace, divulgou dados sobre a participação da pecuária como fator crucial para o desmatamento da floresta tropical brasileira. Como consequência da denúncia, os frigoríficos promoveram mudanças em seus termos de conduta, principalmente no monitoramento da cadeia de produção. As mudanças, porém, não superaram o desafio de controle dos fornecedores diretos e indiretos.

Com a intensificação do monitoramento nos frigoríficos, as produções irregulares foram transferidas para fazendas de fornecedores diretos e indiretos, uma estratégia conhecida como “triangulação de gado”. Essa movimentação gerou uma resposta do mercado que preza pela sustentabilidade e os impactos foram percebidos na oferta de carne, nos mercados interno e externo. Auditorias realizadas entre 2016 e 2019 revelaram que mais de 770 mil animais estiveram sob controle de fazendas irregulares durante o período. 

*Com edição de Viviane Taguchi

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Dirceu Ferreira Junior

Dirceu Ferreira Junior

COO do PwC Agtech Innovation e sócio, PwC Brasil

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