Abril 26, 2023
Abdalah Novaes: “Na Bayer, temos uma forte crença de que a colaboração é essencial no momento em que vivemos. Acreditamos que se a empresa não seguir esse caminho, ela pode, em algum momento, ser deixada para trás” (Foto: Bayer)
Por Marina Salles, com transcrição de Fernanda Cavalcante
O AgTech Garage News entrevista Abdalah Novaes, Líder de Digital Farming Solutions da Bayer para América Latina, sobre a estratégia de inovação da divisão Crop Science da empresa e detalha os projetos em curso para alcançar a ambiciosa meta de ter 100% das vendas impulsionadas ou conectadas a elementos digitais e 30% dessas mesmas vendas relacionadas a novos modelos de negócios até 2030.
Acompanhe e conheça, ainda, os detalhes da parceria com a Microsoft, e a estrutura de governança corporativa que dá respaldo ao estabelecimento desta e de outras parcerias da frente digital de inovação da Bayer.
AgTech Garage News: Quais os pilares estratégicos que norteiam o futuro da Bayer?
Abdalah Novaes: Se observarmos o que tem acontecido na agricultura nos últimos anos, vamos notar desafios e oportunidades enfrentados pelos produtores rurais não só no Brasil, mas no mundo. Eu vou citar quatro principais: o aumento da demanda por alimentos, melhorias na qualidade desse alimento, necessidade de redução de insumos e de preservação ambiental. E esses desafios influenciam a estratégia e os objetivos da Bayer, que se baseiam em três pilares.
O primeiro pilar é o da inovação, que garante que a empresa invista mais em projetos inovadores. O segundo pilar diz respeito à sustentabilidade, permitindo produzir cada vez mais com menos insumos. O último pilar, que vamos abordar em mais detalhes a seguir, é a transformação digital. Além de conectar inovação e sustentabilidade, este pilar traz oportunidades para o produtor e para a organização que antes não eram possíveis.
AgTech Garage News: E vocês traçaram planos claros em cima disso. Pode contextualizar a meta da Bayer até 2030? Onde vocês querem chegar e como devem executar essa estratégia?
Abdalah Novaes: Ao olharmos para as oportunidades que os pilares de inovação, sustentabilidade e transformação digital podem trazer, é necessário entender se estamos seguindo o caminho e ritmo adequados. Para atingirmos esses objetivos, traçamos duas metas para 2030.
A primeira meta é ter 100% das vendas impulsionadas ou conectadas a elementos digitais. Isso significa que todas as relações com o produtor terão elementos digitais que contribuirão para o sucesso do serviço ou produto vendido, ajudando o produtor a capturar dados de produção e se inserir no sistema digital.
A segunda meta é impulsionar a negociação de serviços e soluções, com a expectativa de que 30% das vendas estejam relacionadas a novos modelos de negócio. Atualmente, ao analisarmos o modelo de negócio tradicional da Bayer e de muitas empresas do mercado, percebemos que se baseiam na venda de produtos. No entanto, acreditamos que, ao capacitar o produtor no ecossistema digital, podemos reinventar a forma de negociar e transacionar. Essa segunda meta só poderá ser alcançada se a primeira meta for atingida, ou seja, se o produtor rural estiver integrado ao ecossistema digital.
AgTech Garage News: Recentemente, tivemos a notícia do primeiro lançamento da Bayer com a Microsoft. Como essa parceria contribui com a estratégia da empresa?
Abdalah Novaes: Como mencionado anteriormente, a meta da Bayer é garantir que as vendas e relações sejam habilitadas por elementos digitais e uma maneira de alcançar isso é por meio de plataformas. A Bayer foi pioneira na agricultura digital com a aquisição do Climate FieldView, que tem ajudado a capacitar o produtor nesse ambiente, permitindo que ele utilize o digital durante todo o processo produtivo. Além disso, a empresa possui outras soluções digitais, como o programa de relacionamento Impulso, que só é possível porque as transações com os clientes ocorrem em um sistema digital.
No entanto, apenas as soluções e ferramentas oferecidas pela Bayer não conseguem resolver todos os problemas dos produtores, sendo essencial a colaboração entre as plataformas, para que o produtor tenha acesso a mais ambientes para se digitalizar. A complexidade dessa colaboração consiste em fazer todos os sistemas conversarem entre si.
Esse desafio de fazer as plataformas conversarem e se integrarem tem sido enfrentado pela indústria há algum tempo, antes mesmo da parceria com a Microsoft. Agora, com essa parceria, acreditamos que temos uma solução que resolverá essa dor de maneira mais eficiente e econômica para a organização e para o mercado, além de ajudar o produtor a ter soluções integradas que trarão mais eficiência em comparação com o que eles utilizam atualmente.
AgTech Garage News: O Azure Data Manager for Agriculture é uma plataforma em nuvem da Microsoft para organizar e armazenar dados agrícolas e também um marketplace de extensões, em que a Bayer está estreando uma nova solução. Qual o objetivo do Bayer AgPowered Services?
Abdalah Novaes: Temos dois produtos, um deles é o Azure Data Manager for Agriculture, no qual a Bayer colaborou com sua expertise para criar uma solução para o mercado agrícola. Auxiliamos na construção da base desse sistema que funciona como um “shopping”, conectando fornecedores e consumidores de dados. Por exemplo, a Bayer pode fornecer dados através do Climate FieldView, mas também pode consumir dados de outras plataformas conectadas a esse sistema.
A grande vantagem desse produto é que agora podemos ter todas essas informações disponíveis em um único lugar, em vez de dispersas em plataformas diferentes. Assim, teremos apenas um caminho que dará acesso às informações das plataformas conectadas nesse “shopping”.
O outro produto é o Bayer AgPowered Services, onde podemos colocar produtos digitais. Nós já tínhamos alguns produtos digitais, como imagens de satélite e diagnósticos, que estão disponíveis no Climate FieldView e agora também estarão disponíveis na plataforma da Microsoft. Isso significa que outras empresas podem adquirir esses produtos sem precisar desenvolvê-los do zero.
Essa iniciativa agrega valor para a Bayer, ao licenciar seus produtos para outras empresas, e também para outras empresas, que não precisam desenvolver produtos que já existem. No caso da Microsoft, ela se torna a intermediadora dessas aquisições. E, para o produtor, o benefício é ganhar soluções que ainda não estão disponíveis no mercado, porque as empresas não precisarão reinventar produtos.
A solução da Microsoft é independente do Bayer AgPowered Services. Para a nossa oferta de serviços, dependemos do Azure Data Manager for Agriculture, mas a Microsoft não depende dos nossos produtos. Somos como uma loja dentro desse grande “shopping”.
AgTech Garage News: Dentro desse “grande shopping”, a Bayer contribui com conhecimento em agricultura e a Microsoft em informática e software. Vocês possuem alguma participação “em todo o shopping” ou apenas em “sua própria loja”?
Abdalah Novaes: Temos apenas uma participação na loja em que licenciamos nossas soluções. Porém, nossa grande contribuição é com o ecossistema colaborativo, acelerando a digitalização no agronegócio e impactando diretamente em nossas metas mencionadas anteriormente.
Investimos tempo e recursos nessa iniciativa em parceria com a Microsoft para garantir que esse “shopping” funcione, trazendo benefícios para a agricultura digital, aumentando a produtividade e a qualidade dos alimentos, e garantindo a sustentabilidade da produção ao preservar o meio ambiente.
AgTech Garage News: Como o Bayer AgPowered Services se comunica com o Climate Field View? Vocês devem trazê-lo para dentro da nuvem da Microsoft? Porque hoje sabemos que o sistema roda numa parceria com a startup Leaf, que recentemente fechou contrato com a AWS, da Amazon. A ideia é centralizar as soluções digitais da Bayer num lugar só ou não?
Abdalah Novaes: Quando lançamos a parceria com a Microsoft, há um ano, não tínhamos clareza sobre onde gostaríamos de chegar. Agora, com o lançamento do AgPowered Services, juntamente com outras movimentações de mercado na mesma semana [parceria da Leaf com a Amazon], percebemos que estamos no caminho certo.
A Leaf é uma das parceiras do Climate Field View e ela tem nos ajudado a conectar com outras plataformas. Agora, temos dois caminhos que podemos seguir, continuar trabalhando com a Leaf e utilizar o ecossistema que a Microsoft nos oferece.
AgTech Garage News: Todo esse arcabouço digital que a Bayer vem criando alimenta também a frente de novos modelos de negócios. Qual a meta desta frente e quais iniciativas ela abarca?
Abdalah Novaes: Volto a falar sobre os 30% de aumento nas vendas em novos modelos de negócios que mencionei anteriormente, assegurando que estejam sendo criadas novas formas de gerar valor por meio de ferramentas digitais. Um exemplo disso é o lançamento que fizemos no final de 2022, do programa Valora, que se trata de uma solução de plantio adensado de milho, que contribui para as metas discutidas anteriormente.
Para explicar melhor como o Valora funciona, podemos tomar como exemplo um produtor que utiliza o FieldView há alguns anos, plantando e colhendo de maneira mais eficiente com o auxílio dessa plataforma. Com o tempo, o produto foi se tornando cada vez mais digital. A partir do ano passado, implementamos um novo modelo de negócios em que, em vez de vendermos apenas sacos de milho, oferecemos uma prescrição com uma recomendação digital aprimorada.
Se o produtor não atingir a produtividade esperada, ele receberá o dinheiro de volta referente às sementes prescritas pelo aplicativo a mais do que ele plantaria sem a prescrição. Fazemos isso porque sabemos que, se o produtor utilizar essa recomendação juntamente com o produto indicado, ele conseguirá produzir mais.
Com isso, voltamos à nossa tese anterior: se conectamos o produtor nesse ambiente digital, conseguimos fazer com que ele produza mais e, ao mesmo tempo, criamos novos modelos de negócios para a empresa. O exemplo do Valora ilustra bem o que será a maior parte da agricultura daqui a alguns anos.
AgTech Garage News: Queria que você falasse também um pouco sobre o Pró-Carbono. Sabemos que, atualmente, este programa não traz rentabilidade direta para a empresa, mas traz uma série de benefícios quando o produtor adota práticas mais sustentáveis. Você poderia falar um pouco mais sobre isso?
Abdalah Novaes: O Programa Pró-Carbono é um modelo de negócio que estamos desenvolvendo e que reforça nossos três pilares estratégicos: inovação, sustentabilidade e transformação digital.
Até os anos de 1950 e 1960, o Brasil não conseguia produzir alimentos suficientes para a sua população e precisava importá-los. Hoje, com mais do que o dobro da população da época, produzimos alimentos suficientes para alimentar a todos e ainda exportamos nossos produtos. No entanto, enfrentamos desafios para produzir cada vez mais, mantendo a qualidade e preservando o meio ambiente. Isso nos leva a uma pressão para produzir de forma transparente, e é aí que entra o Programa Pró-Carbono.
Essa iniciativa tem como objetivo demonstrar que através da agricultura sustentável podemos produzir cada vez mais com um impacto ambiental menor. O Programa não apenas visa mostrar, mas também comprovar a eficiência de todas as atividades. E esse é um trabalho colaborativo. Atualmente estamos desenvolvendo uma calculadora com a Embrapa para os produtores entenderem os impactos de sua produção, pois uma coisa é falarmos sobre sustentabilidade, outra coisa é mensurarmos e comprovarmos essa afirmação. Além disso, estamos criando um sistema para auxiliar o produtor a seguir todas as recomendações durante a safra.
O Pró-Carbono ajuda o produtor a comprovar que ele produziu um alimento mais sustentável e esperamos que esse alimento seja comercializado favorecendo ainda mais o produtor rural.
AgTech Garage News: O que está por trás dos processos de transparência do Pró-Carbono? Estamos falando de rastreabilidade e certificação?
Abdalah Novaes: Estamos falando de lastro científico, por isso buscamos uma construção em colaboração com a Embrapa. Dessa forma, podemos assegurar que o conhecimento científico resultante não seja apenas um conhecimento da Bayer, mas algo disponível para o mercado. A partir disso, se o produtor seguir essas práticas, o resultado científico já estará comprovado pelos estudos realizados anteriormente.
Buscamos, em parceria com a Embrapa, criar essa ciência e garantir que os órgãos globais considerem isso um protocolo viável e real. Se for seguido, a produção terá um impacto ambiental comprovado.
Após a execução desse lastro científico, o próximo passo é garantir que tenhamos as plataformas digitais que validem que as práticas do protocolo científico estão sendo seguidas corretamente. Nesse momento, entra a plataforma Pró-Carbono Conecta que, em colaboração com outras plataformas, traz transparência para toda a cadeia de produção, sobre os manejos adotados nas propriedades.
AgTech Garage News: Aprofundando mais na colaboração com o ecossistema empreendedor, como as startups podem contribuir para a estratégia digital da Bayer?
Abdalah Novaes: Na Bayer, temos uma forte crença de que a colaboração é essencial no momento em que vivemos. Acreditamos que se a empresa não seguir esse caminho, ela pode, em algum momento, ser deixada para trás. Por isso, prezamos por participar de um ecossistema colaborativo, hoje somos um dos principais parceiros do AgTech Garage e fortalecemos não apenas esse hub, mas outros também.
Gosto de trazer sempre a comparação de que, no século passado, as escolas de gestão nos ensinavam a ler “A Arte da Guerra” para definir nossas estratégias, e para isso, era necessário eliminar o inimigo ou o concorrente. No entanto, hoje percebemos que essa estratégia pode trazer uma vantagem competitiva momentânea, mas se colaborarmos com o ecossistema, todos sairão ganhando
Atualmente, a Bayer tem quatro valores presentes na sigla LIFE: liderança, integridade, flexibilidade e eficiência. Esses valores nos norteiam internamente, sendo que dentro de cada um existem atributos que exemplificam o seu significado. Em flexibilidade, buscamos colaborar e conectar nossos colaboradores.
Temos vários exemplos de como a colaboração nos ajudou, o Climate FieldView é um exemplo em que, por meio da conexão e parcerias com startups, conseguimos resolver problemas de forma mais rápida e eficaz do que se tivéssemos desenvolvido uma solução internamente.
AgTech Garage News: A aquisição do Climate FielView se deu a partir do entendimento de que fazia sentido internalizar essa solução na empresa. Mas a Bayer também faz investimentos minortiários em startups. O braço de investimentos Leaps by Bayer tem alguma relação com a estratégia digital da empresa?
Abdalah Novaes: O Leaps é a nossa venture capital corporativa, com grande foco em ajudar a Bayer a fazer investimentos que levarão a humanidade para o futuro. Atualmente, o Leaps tem uma forte interação com a área em que atuo, pois essa iniciativa possui um mecanismo de scouting muito eficiente. Se eles identificam uma grande oportunidade para nossa estratégia, mas não para investimento, eles passam o trabalho já realizado para nossa área global, que entra em contato e explora melhor o mercado, podendo até mesmo adquirir a tecnologia.
AgTech Garage News: Por fim, como a Bayer está fazendo a governança de todos esses projetos? Você representa aqui a área de Crop Science Digital Farming Solutions Latam, que foi pioneira, certo? Hoje, essa cadeira existe em outras geografias?
Abdalah Novaes: Fazer parte de uma grande organização como a Bayer, com mais de 100 mil funcionários e quase 160 anos de história, pode trazer um nível de complexidade. Mas, reforço, que também traz muitas oportunidades, desde que consigamos vencer as burocracias internas.
Um dos grandes objetivos da Bayer é se tornar cada vez mais rápida e ágil, pois no mundo digital não podemos ser lentos. Estamos conseguindo vencer essas barreiras, e isso é comprovado quando falamos do nosso pioneirismo na agricultura digital.
Na área de Digital Farming Solutions da Crop Science, lidero a equipe na América Latina, que possui grupos no Brasil, Argentina e México, respondendo ao líder global. Nessa governança, a frente global garante que todas as regiões estejam muito bem alinhadas com o básico e a frente regional, da qual faço parte, fica focada no objetivo de assegurar que o cliente está no centro da nossa estratégia.
As estruturas globais são muito importantes para ganhar eficiência, velocidade e escala, como visto no acordo com a Microsoft, jamais conseguiríamos essa parceria trabalhando regionalmente. No entanto, também é importante entender as dores e demandas reais dos clientes por meio de equipes regionais.
Hoje em dia, os produtores querem participar da criação das novas tecnologias e não apenas receber tudo pronto, como antigamente. Quando vamos para o caminho digital, a co-criação junto ao produtor é muito importante para atendermos as demandas, desenvolvermos novos modelos de negócio e nos conectarmos com o campo.