Agosto 1, 2023
A iniciativa SouABR promove a transparência na cadeia produtiva do algodão por meio da utilização da tecnologia blockchain (Foto: Abrapa)
Por Fernanda Cavalcante e Marina Salles
A Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) concluiu com êxito o primeiro grande piloto do programa SouABR (Algodão Brasileiro Responsável), que contou com a participação de 5 varejistas: Reserva, Renner, C&A, Youcom e Almagrino. A colaboração dessas grandes marcas viabilizou a produção de mais de 120 mil peças certificadas, com o algodão proveniente de 43 fazendas e a utilização de mais de 18 mil fardos da fibra no período de um ano. Agora, a Abrapa irá avançar para um segundo piloto, aberto a novos lojistas interessados em inovar com responsabilidade, e a expectativa é dar escala ao projeto numa próxima fase de consolidação.
“Esse projeto nasceu com o intuito de ajudar a mudar a percepção do mercado sobre o algodão brasileiro, ressaltando a qualidade, rastreabilidade e sustentabilidade que a nossa matéria-prima tem, mas que nem todos têm conhecimento, mesmo dentro do país”, conta Silmara Ferraresi, Diretora de Relações Institucionais na Abrapa.
O SouABR promove a transparência na cadeia produtiva do algodão por meio da utilização da tecnologia blockchain, que torna auditável o caminho percorrido pela fibra na cadeia produtiva. O objetivo é comprovar que as peças de roupa que chegam aos manequins, e depois ao guarda-roupas dos consumidores, foram confeccionadas com algodão certificado.
A certificação ABR segue 8 critérios e 178 itens de verificação, entre eles, que o trabalho nas fazendas e fábricas é legal e que as atividades não interferem na preservação de rios e nascentes. Segundo Silmara, a iniciativa tem potencial para ir muito além dos nichos de mercado e atrair múltiplas marcas que privilegiam o algodão sustentável no seu processo de fabricação.
Do ponto de vista tecnológico, a startup AgTrace – que faz a rastreabilidade de diferentes cadeias do agronegócio – tem ajudado a tornar isso possível. Por meio de uma plataforma digital que usa blockchain, a AgTrace verifica os dados de todas as etapas de produção, desde a fazenda, passando pelas fiações, malharias e tecelagens, até chegar às confecções e à distribuição das peças pelas varejistas. Todas as informações são registradas em blocos criptografados, que não podem sofrer alterações, proporcionando transparência a todo o processo dentro e fora das fábricas.
Luciano Tamiso, Diretor de novos negócios da AgTrace, enfatiza que o programa SouABR é diferenciado, tendo se tornado realidade graças a uma base de dados construída pela Abrapa desde 1999 e ao movimento Sou de Algodão, iniciado em 2016. “Passo a passo, a Abrapa possibilitou a incorporação de um código de barras em todos os fardos de algodão provenientes das fazendas cadastradas, essencial ao trabalho que desenvolvemos hoje”, diz.
A iniciativa SouABR é pioneira no mundo da moda na promoção da rastreabilidade completa de peças feitas de algodão, que depende de um processo altamente complexo – dado que o algodão de uma única peça pode vir de múltiplas origens. “Já rastreamos uma peça produzida a partir de um lote de tecelagem que continha algodão proveniente de 18 fazendas, localizadas em 3 Estados diferentes”, conta Silmara, explicando que isso ocorre porque a cadeia de produção é longa e pode ser dividida em 5 etapas: fazenda, fiações, malharia e tecelagens, confecções e varejo.
Cadeia rastreável do algodão (Foto: Abrapa)
Desde o início dos anos 2000, a Abrapa trabalha com um código de certificação acoplado aos fardos de algodão, que permite hoje à startup AgTrace cruzar informações desde a fiação até o varejo e verificar se estão dentro dos critérios do programa.
Silmara explica que a etapa de fiação é crucial para a validação dos elos subsequentes, pois esse tipo de empresa é a responsável por transformar o algodão em fios e deve verificar se todos os fardos utilizados são certificados, o que depois é validado pela AgTrace. Caso algum fardo não seja reconhecido pelo sistema da startup, o produto é descartado do programa SouABR.
Todo o processo de validação ocorre consecutivamente ao longo da cadeia produtiva. Ou seja, a malharia e a tecelagem devem utilizar a fiação validada pelo sistema de rastreabilidade e o mesmo vale para os outros elos. A confecção só pode utilizar a malha certificada para a produção dos vestuários e, assim, por diante.
No final da cadeia, o produto chega às mãos dos consumidores com um QR Code na etiqueta, permitindo que quem compra a roupa possa conhecer toda a trajetória do algodão utilizado.
Exemplo de QR Code da varejista YouCom
O potencial de escala da iniciativa SouABR é enorme, segundo os envolvidos, tanto pelo fato de a plataforma da AgTrace estar apta a receber um grande volume de dados como pelo lado da oferta de matéria-prima. Hoje o Brasil não tem restrições nesse sentido, sendo 83% do algodão produzido no país já é certificado como ABR.
O desafio está, sim, na adequação dos processos da cadeia, para que os fardos certificados e seus subprodutos sigam o percurso planejado. Justamente por esse motivo, os integrantes da iniciativa precisam seguir algumas regras. Entre elas, manter o engajamento com a iniciativa e o compromisso de produzir um certo número de peças certificadas no período de 1 ano, envolvendo a sua cadeia de produção e adequando-as às normas de fabricação. As peças também precisam ter 70% de algodão certificado, o que significa que não pode haver mistura com a fibra convencional.
Na Almagrino, participante do primeiro piloto, esse compromisso vai ao encontro de um propósito. “Desde a nossa fundação, em 2021, buscamos participar de programas que valorizam as agendas ESG e do algodão brasileiro, o que gerou uma sinergia muito grande com a Abrapa e o SouABR”, diz Pedro Sávio, sócio fundador da Almagrino.
De acordo com ele, até por conta da cultura da empresa, a Almagrino já estava praticamente pronta para aderir aos processos do programa, diferente da média dos varejistas. Agora, a meta é seguir expandindo. “Os grandes varejistas enfrentam uma concorrência acirrada com as chamadas fast fashion, que vendem roupas abaixo do valor de mercado com qualidade similar. O desafio que estamos observando agora é o de conscientizar a sociedade sobre a importância da compra sustentável”, diz Sávio, que acredita no potencial da iniciativa para colocar o algodão brasileiro em evidência, seja nas vitrines nacionais ou mesmo estrangeiras, em função da sua qualidade, sustentabilidade e, claro, rastreabilidade.