Junho 26, 2023
Silvio Passos, Fundador e Presidente do Conselho da AgroVen (Foto: AgroVen)
Por Marina Salles e Fernanda Cavalcante
Fundado em setembro de 2019 em Uberlândia (MG), o clube de investimento em startups do agronegócio AgroVen nasceu sem grandes pretensões de crescimento, nas palavras do Presidente do Conselho Silvio Passos. Fato é que, pouco mais de três anos depois, já são mais de 250 investidores membros, entre produtores rurais, empresários do setor e grandes e pequenas companhias, que começam a enxergar o universo da inovação com outros olhos.
“Assim como nas cidades, onde as pessoas comuns colocavam seu dinheiro na poupança e migraram para corretoras com vários tipos de ativos, no campo também está acontecendo um movimento de sofisticação das carteiras. O produtor que só colocava dinheiro em terras, hoje considera investir em startups”, diz Passos. Com o movimento crescente, o que era para ser apenas um projeto pessoal da fase pós aposentadoria dele, foi ganhando outros contornos.
Do fim de 2019 até meados de 2023, 1.400 agtechs foram mapeadas pelo grupo, que aprofundou suas análises em 100 delas e investiu em sete. Solusolo, Doroth, AgroBee, DioxD, Muda meu Mundo, iRancho e Maneje Bem são de áreas bem variadas do agronegócio, o que reflete o gosto eclético do AgroVen, que investe tanto em startups de estágio inicial como em startups que estão tracionando os negócios e buscam capital pré-série A (via AgroVen+).
Nesse contexto, segundo Passos, os cheques variam na casa de R$ 1 milhão a R$ 4 milhões, em média. No caso do early stage, o clube privilegia aportes em negócios que já tenham clientes e, no caso de startups em fase de tração, preferem aquelas cujo potencial de crescimento e aderência às demandas do mercado já foram provados.
Em entrevista ao AgTech Garage News, o carioca (conhecido por muitos como “paulista”, por ter morado por muito tempo no Estado de São Paulo), conta da fundação do clube mineiro, que vem popularizando os investimentos em startups no interior do Brasil. Com passagem pela Itaúsa, Stefanini, Grupo Algar e HCL, Passos construiu uma carreira versada em tecnologia e M&As, que de certo modo ajudou a fundamentar a expansão do AgroVen. Acompanhe:
AgTech Garage News: Silvio, de onde veio a ideia para criar o AgroVen?
Silvio Passos: Trabalhei por muitos anos no setor técnico com consultoria, auxiliando organizações de diferentes portes a realizar processos de inovação e transformação digital. Além de M&As, o que me trouxe conhecimento sobre como avaliar startups, tecnologias e empresas.
O meu interesse pelo agronegócio começou quando trabalhei no Grupo Algar, em Uberlândia (MG), região de grande relevância para o agro. Nesse período, pude aprender sobre o setor e ver mais de perto uma transformação relevante que vinha acontecendo no campo do digital.
Eu me encantei com esse movimento e, então, comecei a estudar mais sobre o setor agrícola. Cheguei até a visitar o AgTech Garage e conversar com o Tomé para ouvir a opinião dele. Depois de muitas pesquisas, percebi que o agro realmente estava precisando de gente para auxiliar na conexão do capital financeiro e intelectual ao universo da inovação e das startups.
Eu tinha a meu favor a experiência com tecnologia, investimento e avaliação de empresas, mas não sabia ao certo como aplicar isso no contexto do agronegócio. Uma das minhas inspirações foi um grupo de investidores formado por ex-alunos de Harvard. Nesse grupo, eles avaliam boas oportunidades de investimento e ajudam empresas promissoras a acelerarem seus negócios.
Então surgiu a ideia de criar um clube de investimentos, que num primeiro momento se chamava Conecta Agro e, depois, foi batizado de AgroVen, a fusão de agro e ventures.
AgTech Garage News: Como foi o processo de formação do grupo e como vocês foram profissionalizando as práticas internas?
Passos: Para atrair os primeiros membros para o grupo, me conectei com pessoas relevantes, que já conheciam as dores e oportunidades no setor, e acabamos começando com um grupo muito forte, composto por pessoas relevantes, o que facilitou a entrada de novos membros.
No início, a maioria não tinha ideia de como investir em startups. Muitos estavam com um olhar passivo em relação aos novos negócios que vinham surgindo. A expectativa era de que a inovação acontecesse fora da porteira e os produtos chegassem prontos nas fazendas.
Minha proposta era que fôssemos mais ativos, influenciando e surfando a onda das novas tecnologias. Depois que o grupo ganhou um certo tamanho, ficamos satisfeitos e não tínhamos a intenção de crescer. Acabamos contratando alguns profissionais que buscavam oportunidades de investimento no ecossistema, conectando-se com hubs e aceleradoras, e nos apresentavam startups promissoras. Essas startups apresentavam suas tecnologias para o grupo, e aquelas que chamavam mais a atenção dos empreendedores rurais, passavam para a etapa de aprofundamento.
Adotamos um método estruturado para avaliar se a empresa seguiria para a próxima etapa ou não. Esse método é utilizado até hoje, e um dos nossos principais diferenciais é a habilidade em avaliar o potencial das tecnologias que se propõe a gerar valor para o campo.
AgTech Garage News: Hoje, como funciona o processo de investimento em startups na AgroVen?
Passos: A Agroven faz o oposto dos fundos de investimento tradicionais, os venture capitals. Normalmente, nesses fundos, há um gestor e um administrador com uma tese de investimento estabelecida. As pessoas que se identificam com essa tese compram uma cota de participação no fundo, e o administrador decide onde esse investimento será alocado.
Na AgroVen, nós monitoramos e mapeamos o mercado, buscando boas oportunidades para apresentar aos nossos membros, que são os responsáveis por avaliar e decidir se o negócio deve avançar ou não para receber um investimento. Nosso trabalho é de curadoria dentro de um universo amplo. Não temos uma tese específica nem um mandato de investimentos.
AgTech Garage News: Qual o perfil dos investidores do clube?
Passos: Todo novo integrante precisa ter sido indicado para poder entrar para o clube. Dos 250 membros da Agroven, pouco mais de 30% são corporativos e outra grande parte é de empresários do setor, com envolvimento na produção agrícola e pecuária, mas temos ex-produtores também, que diversificaram seu portfólio e abriram revendas ou usinas.
No caso das empresas, temos gigantes como Bayer, Minerva Foods, SLC Agrícola e cooperativas, como a Cooxupé; além de empresas menores, como escritórios de advocacia com foco no agronegócio.
AgTech Garage News: Em termos de setores para investimento, vocês têm preferências?
Passos: Nosso grupo é bem diverso e, por isso mesmo, nossa tese é genérica. Quando entra um novo membro da Agroven, ele preenche um formulário indicando suas preferências de investimento, se é insumos biológicos, rastreabilidade, entre outros, bem amplo mesmo. Atualmente, estamos explorando soluções de tokenização, mas seguimos abertos a avaliar novas tecnologias de forma abrangente, como nossa tese não é engessada, permanecemos atentos às tendências e avanços do setor de forma geral.
AgTech Garage News: Qual é o sentimento em relação àquilo em que o produtor brasileiro quer investir?
Passos: O mercado é influenciado por uma série de fatores, como a mídia, os problemas específicos do próprio produtor, as tecnologias que surgem nas fazendas vizinhas etc. Mas, percebo que os produtores estão buscando tecnologias relacionadas aos produtos biológicos com uma certa força.
No nosso grupo, o que realmente chama a atenção e desperta o interesse dos produtores são as tecnologias que podem ser aplicadas no dia a dia da propriedade. Já levamos várias soluções de marketplace e agfintechs, porém gerou pouca adesão e acabamos não investindo.
O nosso grupo não é composto por investidores típicos, que se concentram apenas na escalabilidade do negócio. Eles desejam participar da jornada de empresas com tecnologias excelentes, capazes de alcançar reconhecimento e penetração de mercado. Embora a gente tenha a intenção de obter retorno financeiro, nosso principal foco está nas necessidades diárias desses investidores.
AgTech Garage News: Pode contar um pouco mais sobre o portfólio?
O nosso portfólio é bem diverso, temos empresas de biotecnologia, como a Doroth, mas também empresas de blockchain, como a IRancho, que supre as necessidades dos pecuaristas de nossa rede.
Por conta do perfil do clube, há ainda muita abertura para fazer testes, seja em revendas, empresas de nutrição animal, usinas ou nas propriedades. No caso da DioxD, que tem uma tecnologia baseada na exposição das sementes a cinco gases diferentes, para promover um tratamento que aumenta a produtividade, teve muito produtor interessado em testar na fazenda.
AgTech Garage News: Qual o veredito, então? O AgroVen não está à procura do próximo unicórnio do agro?
Passos: Deixamos isso para os venture capitals, eu diria. Se não acertarmos num unicórnio, mas num cavalinho que sair na frente, já ficaremos satisfeitos. Como comentei anteriormente, não temos essa ambição e estamos mais preocupados em fazer parte da história de uma startup que possa ganhar relevância no país pela sua entrega de valor na ponta.
Além disso, buscamos investimentos de curto prazo, então não temos a necessidade de um retorno gigantesco. Por isso mesmo, posso destacar que, quando estamos analisando uma nova tecnologia, sempre pensamos em qual será a aceitação desse novo produto pelas grandes empresas. Esse é o tipo de exit que faz mais sentido para nós.