Fevereiro 23, 2023
Fabio Iunis tem mais de 20 anos de experiência na indústria de Venture Capital, com investimentos nas áreas de TI, mídia, telecom e internet (Foto Indicador Capital)
Por Marina Salles, com apoio à transcrição de Karen Baldin
Inteligência artificial, Internet das coisas (IoT) e conectividade são os três temas em que a Indicator Capital foi se tornando especialista e referência no mercado de investimentos nos últimos anos. Fundada em 2014 em São Paulo (SP), a gestora dos sócios Derek Bittar, Thomas Bittar e Fábio Iunis de Paula tem hoje R$ 300 milhões sob gestão, divididos em dois fundos que aportam neste tripé de tecnologias.
O primeiro fundo, mais focado em inteligência artificial, teve a captação de US$ 5,7 milhões (mais de R$ 30 milhões) coordenada por Thomas Bittar, que fez aportes em 18 empresas, das quais 4 já resultaram em saídas (Social Miner, IOUU, Threedy.ai e TEVEC).
O segundo fundo — lançado em maio de 2021 ancorado pelo BNDES e Qualcomm Ventures e gerido pela Indicator Capital — tem outros R$ 240 milhões, dos quais R$ 70 milhões já foram alocados em 7 startups, da área de IoT e conectividade (Monuv, CTA Smart, InfoPrice, Beegol, SYOS, IBBX e Rúmina).
A Rúmina, ecossistema de soluções para a pecuária, por enquanto, é a única representante do agro, mas a expectativa é que o setor vá ganhando mais espaço. Com duração de 10 anos, o segundo fundo gerido pela Indicator Capital investirá em até 30 empresas em estágio inicial (Série A) com cheques de, em média, R$ 10 milhões.
Ao AgTech Garage News, o sócio da Indicator Capital Fabio Iunis de Paula (que trabalhou por 17 anos na Intel, 14 deles na Intel Capital) e o VP Martin Lima (que está na gestora há quase 6 anos e é um dos fundadores da Emerging Venture Capital Fellows, comunidade de investidores de VC) contam qual a tese da Indicator Capital para o agro, como veem a maturidade das soluções de IoT para o setor, seus desafios e a colaboração dentro do ecossistema.
AgTech Garage News: Qual a tese do fundo 2, de IoT, que a Indicator Capital administra?
Fabio Iunis: Em 2020, entramos para uma parceria público-privada junto ao BNDES para apoiar o Plano Nacional de IoT, um plano montado com patrocínio do Ministério da Ciência e Tecnologia. Por meio de um edital, nós fomos a gestora selecionada para tocar o fundo ancorado pelo BNDES. O restante dos recursos nós trouxemos de outros players, entre eles: Multilaser, Banco do Brasil, Motorola, Lenovo, Telefônica e 3G Radar. Hoje, temos R$ 300 milhões para investir no ecossistema de IoT e conectividade. Nosso objetivo é montar um quebra-cabeça de tecnologias e setores. Investimos, de forma mais profunda, em Indústria 4.0, AgriTechs, HealthTechs e Mobilidade, e também temos investimentos no varejo.
Nesse fundo dois, a gente está investindo principalmente em empresas um pouco mais avançadas, já com alguma tração e clientes, com foco em Série A. Nossa base de dados já conta com mais de 2 mil startups, que acompanhamos sistematicamente, e investimos em sete empresas até agora pelo fundo 2. Devemos manter mais ou menos esse ritmo, fazendo em torno de seis investimentos por ano e é provável que, um ou dois deles, sejam em agro.
AgTech Garage News: Dentro do agronegócio, em quais subsetores vocês investem?
Investimentos prioritários para a Indicator Capital no agronegócio
Martin Lima: Nós temos alguns setores prioritários antes, dentro e depois da fazenda. A relação completa está disponível neste slide [acima], mas posso citar alguns exemplos, como: controle biológico, serviços financeiros, análise laboratorial; também a agropecuária de precisão; rastreabilidade.
Nosso primeiro investimento no agro foi na Rúmina. A gente já vinha olhando várias empresas agro, um setor que tem suas particularidades, como a questão do ciclo longo, e achamos por bem trabalhar com uma tese de consolidação. A Rúmina hoje une cinco startups debaixo de um mesmo chapéu, e as soluções do ecossistema Rúmina, em conjunto, têm massa crítica maior para poder avançar no campo da pecuária na nossa visão.
AgTech Garage News: Qual a filosofia por trás dos investimentos da Indicator Capital?
Fabio Iunis: A gente acredita muito no nosso programa de building values, “Construindo Valor Juntos”, que baliza todas as nossas atividades com as startups investidas. É por meio desse programa que buscamos atuar de forma ativa e colaborativa, fornecendo apoio durante o ciclo das empresas, desde o investimento inicial, passando pela curva de crescimento até o processo de saída.
Os quatro pilares dessa construção são: ecossistema de inovação, desenvolvimento de negócios com a indústria, mão na massa e programa cross-border. Nosso perfil é de um investidor ativo, normalmente com assento no board ou que assume, pelo menos, papel de observador.
Quando eu falo de conexão com o ecossistema, a gente ajuda as empresas a desenvolverem seus produtos e montarem uma rede de provedores de serviço. Depois, no segundo bloco, que chamamos mão na massa, nossa contribuição é com a governança e criação de uma rede de advisors e mentores para os empreendedores. O terceiro pilar é o do scale up, com um programa mais focado em PoCs (provas de conceito) e pilotos, que tem o objetivo de ajudar as startups a conseguirem fechar clientes mais rápido por meio de introduções proativas [contatos proativos].
E o pilar de internacionalização, cross border, tem a ver com o fato de que fico baseado no Vale do Silício. A gente tem esse foco internacional e nosso fundo tem um misto de empresas brasileiras, empresas de fora fundadas por brasileiros e empresas americanas que estão de olho no mercado latino-americano. A gente vê hoje o pilar de cross boarder se refletindo tanto na parte de tecnologia, quanto na parte de matchmaking com parceiros do ecossistema e aceleração do relacionamento com potenciais clientes internacionais para nossas investidas. A Qualcomm Ventures, investidora nossa, fica em San Diego, então a gente acompanha a atividade internacional de perto.
Programa Construindo Valor Juntos, da Indicator Capital
AgTech Garage News: Algo que temos visto, cada vez mais, são os fundos especializados. No caso da Indicator Capital, não há dúvidas que a especialidade é o IoT. E como vocês interagem com os especialistas em agro?
Fabio Iunis: A gente já co-investe com a Barn Investimentos e somos super próximos da SP Ventures. Essa ligação é muito importante, porque a gente consegue ajudar as startups em rodadas subsequentes e aproveitar melhor as oportunidades.
O agro é um dos setores considerados mais estratégicos pelo próprio Plano Nacional de IoT e não tem porquê o país não ser protagonista nessas tecnologias no setor agrícola. A gente tem esse potencial, tem tecnologia, tem massa crítica mais do que suficiente com o Brasil no TOP 3 da produção das principais culturas. Então, tem muita tecnologia que pode ser testada, validada no Brasil e, inclusive, com potencial de internacionalização.
Em um país da dimensão do Brasil, a conectividade no interior, nas fronteiras agrícolas, ela não é trivial. Então, tudo que é conectividade, IoT e uso de informação para transformação digital do setor é o core do nosso fundo. Assim, nossa atuação acaba sendo muito complementar à dos fundos especialistas no setor agro, porque entendemos bastante de tecnologia, estamos apoiando o desenvolvimento do IoT e da conectividade no setor, e eles aportam o conhecimento do agro.
AgTech Garage News: Como vocês avaliam a maturidade das soluções de IoT no agro? Pensando alto, logo me vêm à cabeça soluções mais maduras de IoT para irrigação, que otimizam o funcionamento dos equipamentos. Para a indústria 4.0, mais voltadas à cadeia de food, e também soluções para promover a rastreabilidade. Que oportunidades vocês identificam hoje e onde mais os empreendedores poderiam investir?
Martin Lima: A gente tem que acompanhar onde tem mais oferta, que é onde vai ter mais oportunidade e onde vai ter mais empreendedor atuando, mas, falando de IoT, falta mais maturidade no agro de entender quais dores estão prontas para serem resolvidas. Foram essas dores que a gente buscou listar na nossa tese. Dentro da fazenda é como você citou, tem meteorologia e irrigação, telemetria e automação, gestão das fazendas. Fora da porteira, isso mesmo, rastreabilidade, indústria 4.0, alimentos inovadores, bioenergia.
Análise laboratorial é algo que está elencado, mas que a gente viu pouquíssima solução. A Rúmina faz análise da mastite com laboratórios portáteis por meio da OnFarm. Aquicultura é outro universo a ser explorado. A gente viu uma ou outra solução, mas é um mercado gigantesco, com um potencial grande, em que ainda não tem muita gente atuando. Quando a gente fala de um pouco mais de deep tech para alimentos inovadores e tendências alimentares, também falta.
Mas a gente tenta ir pelas dores que estão mais maduras, para depois olhar para soluções mais “oportunísticas”, que a gente chama. Nessa frente, é tentar trazer para o presente e se perguntar: “O que que a gente vai começar a incentivar agora para se transformar na logística do futuro?” A gente também tem esse papel de incentivar, colocando dinheiro nas empresas que a gente acredita que irão solucionar dores relevantes.
AgTech Garage News: Quais os desafios para o IoT aplicado ao agro?
Fabio Iunis: O primeiro desafio é a conectividade no campo. O segundo envolve criar soluções simples, que consigam atender bem o produtor e que sejam fáceis de ser implementadas. Porque o setor agrícola não precisa, necessariamente, estar na vanguarda da adoção tecnológica. O core dele é a agricultura. Trazer a conectividade e resolver problemas essenciais com o uso da tecnologia, eu acredito que seja o foco. E tem muita oportunidade desse tipo ainda.
AgTech Garage News: Falando de conectividade, vocês acreditam que o 5G vai trazer uma mudança no agro mais a médio ou longo prazo para as soluções de IoT?
Fabio Iunis: O 5G vai trazer muitas novas aplicações em todos os setores. Da conectividade no agro à conectividade para o carro autônomo que está dentro da cidade. Eu acredito que vai haver uma revolução com o 5G sim, só que ela vai acontecer por etapas. O 5G tem pelo menos três frentes grandes: velocidade, latência e alcance. O alcance é o que vai mais afetar o setor agrícola, porque um alcance mais universal vai permitir termos mais aplicações ao longo do tempo nas fazendas.
Martin Lima: Tem cases específicos no agro que o 5G pode acelerar bastante. Quando a gente fala de 5G, pensa no Tesla andando sozinho, mas no agro você tem maquinário agrícola, drone, vai ter veículo autônomo. Onde tiver conectividade 5G será possível ter um alcance muito maior. A questão é que na zona rural, em muitos casos, você ainda não tem nenhum tipo de conectividade. Então, a tecnologia que chegar primeiro já é muito bem-vinda, seja 3G, 4G.
AgTech Garage News: A atuação da Indicator Capital é multisetorial. Como vocês veem a sinergia entre setores? De repente, algo de fora do agro pode auxiliar no desenvolvimento do IoT no setor.
Martin Lima: Temos vários exemplos dessa sinergia. As tags que usamos nos carros hoje estão também no colar e na orelha das vacas. O uso universal do IoT é muito positivo, porque a gente começa a ver o preço dos sensores cair, quer seja para medir variáveis de solo, qualidade da água ou localização animal. Essa tecnologia avançando rápido torna factível montar sistemas de acompanhamento nas fazendas. São os seis Ds das tecnologias exponenciais sendo aplicados: digitalização, decepção, disrupção, desmonetização, desmaterialização e democratização.
Acontece no dia a dia, você digitaliza as coisas, elas passam pela fase de disrupção e depois aquilo fica muito barato e é democratizado. Cada vez mais, tudo que a gente faz no agro de processo, manipulação e rastreamento, cai no mesmo conceito. A tendência, quando os sensores baratearem, é surgirem aplicações de uma forma muito abrangente.