Janeiro 18, 2023
Time AgTech Garage recebe visita do RH de parceiros para fomentar participação ativa no campo da inovação (Foto: AgTech Garage)
Por Bruno Abreu
Chegamos a 2023, 20 anos após o Professor Henry Chesbrough ter lançado seu livro Open Innovation: The New Imperative for Creating and Profiting from Technology — em que propôs uma nova abordagem para acelerar o processo de inovação nas empresas, considerando um modelo colaborativo, com intercâmbio de conhecimento, ideias, tecnologias e até mesmo profissionais de fora dos limites dos laboratórios de P&D.
Gradualmente, essa abordagem tem se tornado mainstream. Empresas ao redor de todo o mundo estão criando programas de inovação aberta e se associando a hubs de inovação como o AgTech Garage com foco em estimular o acesso e a conexão de seus profissionais com diferentes atores, que possam colaborar com o processo de inovação.
No entanto, embora o conceito e as práticas de inovação aberta já sejam amplamente difundidos, ainda se faz necessário elucidar (e talvez convencer) sobre o papel de cada área da empresa para impulsionar os resultados de inovação. Muito além de adaptar alguns processos e documentos para facilitar a esteira de inovação, é possível que áreas como suprimentos, jurídico, marketing e RH ocupem um papel estratégico e direcionador.
Começo falando da área de RH, porque inovação necessariamente demanda transformação na cultura e na gestão. Um sistema baseado em velhas regras, como hierarquias rígidas, uniformidade e excesso de controle, definitivamente sufoca, ou no mínimo, minimiza o potencial das empresas inovarem.
Para produzir inovação na velocidade que o mercado e os consumidores exigem, as companhias precisam criar um ecossistema criativo e ágil, com aptidão para a experimentação. As equipes precisam trabalhar como redes de expertise em uma fina colaboratividade e com capacidade de aprendizado contínuo e exponencial. Isso porque, cada vez mais, o número de variáveis que interferem no negócio se multiplicam.
Portanto, cabe ao RH introduzir os elementos dessa nova dinâmica, com forte atuação no design organizacional, introduzindo uma nova equação de gestão, tomada de decisão e avaliação de performance que fomente novos comportamentos na liderança e permita a fluidez necessária para inovar.
A cultura de aprendizagem ganha protagonismo, pois ainda que a gestão de riscos seja importante, o foco deve estar em aumentar a capacidade ou acurácia da tomada de decisão em todos os níveis. Isso gera competitividade, mas obviamente, desde que o propósito e a estratégia estejam claros para todos.
Quanto a suprimentos, a lógica de redução de custos precisa ganhar uma nova perspectiva, associada ao papel de identificar tecnologias, produtos e processos inovadores fora da companhia e incorporá-los ao negócio, gerando vantagem competitiva e maior lucratividade. Responsável pelas compras internas, a área de suprimentos tem potencial de monitorar o mercado e, inclusive, estimular a inovação entre os fornecedores. A partir desse lugar, a área de suprimentos contribui para fomentar também uma cadeia mais alinhada com os próprios objetivos de inovação da empresa.
Na prática, a área de suprimentos pode vir a ser um radar de oportunidades, monitorando os riscos de disrupção, seja do seu mercado ou do mercado dos fornecedores. Mais do que isso, também pode provocar transformações, na medida em que desafia quem vende a desenvolver soluções para novas demandas, em prol de um mundo mais digital ou sustentável.
Definitivamente, os limites tradicionais da indústria mudaram e, nessa lógica, é crucial garantir que os fornecedores acompanhem as tendências e identifiquem, eles também, novos players para acessar as inovações que colaborem com a estratégia da empresa. Afinal, fornecedores também são uma fonte de inovação.
Se considerarmos que, atualmente, a inovação depende de parcerias estruturadas com startups e outros atores, a área de suprimentos tem a faca e o queijo na mão para se envolver com mais profundidade na estratégia e nos processos de inovação das empresas. Vale fazer o teste e ver como uma área propositiva na elaboração de modelos de cooperação e parcerias atrativas auxilia na execução da estratégia de inovação.
Com os ponteiros alinhados internamente, a companhia vai se posicionando, em diferentes esferas da cadeia, como “parceira de escolha” no mercado. Ou seja, aquela empresa com quem todos querem trabalhar. Porque a economia hoje é de valor compartilhado, isto é, de relações ganha-ganha.
Quando se trata do jurídico, o papel convencional de proteger a empresa de riscos passa a vir somado ao compromisso de não criar grandes barreiras para a inovação. Afinal, se a atenção é com os riscos, quais são os riscos de não inovar? Trata-se, é claro, de uma questão de equilíbrio, um balanço entre resguardar a empresa e viabilizar a experimentação.
De fato, é verdade que a inovação cria desdobramentos variados para os contratos de cooperação que as empresas estão acostumadas a firmar, e é justamente aí que a área jurídica pode fazer toda a diferença para a inovação acontecer. Ter um posicionamento pró-deal é o primeiro passo para buscar instrumentos que permitam dar vazão a novas tratativas, fora do tradicional.
Também cabe ao departamento jurídico estabelecer processos que tragam mais agilidade às decisões e um approach customizado para favorecer projetos de inovação e colaboração com diferentes atores do ecossistema, considerando suas características e particularidades. Uma startup, por exemplo, não consegue esperar um ano para assinar um contrato, sendo que firmar ou não a parceria com uma grande empresa pode determinar sua sobrevivência.
John Deere promove encontro híbrido “Propriedade Intelectual: a proteção da inovação” para troca de experiências com startups, com participação do seu time jurídico e do advogado Wilson Pinheiro Jabur (Foto: AgTech Garage)
Vale lembrar que o apetite por risco e flexibilidade permitiram a muitas startups ganhar espaço e causar mudanças profundas em mercados consolidados, mudanças essas que poderiam ter vindo de grandes empresas. Não é simples agilizar tomadas de decisão, isso é sabido, mas é necessário ao menos superar a barreira da proteção contra qualquer ameaça.
Finanças tem o desafio de inserir a inovação no planejamento financeiro, rompendo com o paradigma do retorno sobre o investimento “as usual” que também tem efeito depressor sobre qualquer intenção de inovação. Inovação relevante, dessas que transformam indústrias, requerem muito dispêndio de capital e o retorno quase nunca é de curto prazo. É preciso tangibilizar e valorar o retorno em termos de aprendizado e validação de hipóteses, que geram externalidades para além do resultado da inovação em si.
Construir um portfólio de investimento em inovação, com diferentes níveis de risco e diferentes expectativas e métricas de retorno, viabiliza a ambidestria organizacional (busca pela eficiência operacional atrelada à capacidade de inovação). É sobre distribuir recursos entre projetos de retorno mensurável — como o retorno por otimização, eficiência, aquisição e fidelização de clientes, ganho de mercado, etc — e projetos de caráter exploratório — que podem culminar no lançamento de um novo produto ou serviço mais distante do core business.
Os investimentos em inovação precisam vir inseridos no plano de crescimento da empresa e não podem seguir a lógica de um jogo de soma zero. Diante do menor sinal de erros ou de extensão do prazo de retorno do capital investido, o corte de recursos para um projeto de inovação pode ser fatal. Antes disso, é importante entender quais indicadores avaliar, além dos econômicos.
De um lado mais prático, a área de finanças é fundamental no suporte ao planejamento orçamentário de provas de conceito, a fim de facilitar fluxos de pagamento. Também é relevante no apoio às áreas de negócio para avaliar projetos com maior potencial de retorno, distinguindo-os dos menos promissores. Estabelecer uma governança do portfólio com participação do time financeiro pode ajudar ainda a evitar sobreposição de projetos e gastos extras, especialmente nas grandes empresas.
A lógica é perseguir iniciativas chave, e não cortar custos. Por último, mas não menos importante, a cooperação com a área de finanças pode auxiliar no acesso a incentivos fiscais e editais que financiam projetos de inovação.
Toda inovação depende de marketing, pois diferente do que se pode pensar, um projeto de inovação não começa com a geração de ideias e sim com a identificação e entendimento das principais necessidades (ou frustrações) dos clientes. Eu diria que a área de marketing deve, em certa medida, modelar a inovação, uma vez que é a ponte entre quem a produz e quem a consome produtos e serviços. Daí ser tão relevante o time de marketing participar de todo o desenvolvimento das soluções que chegam até o consumidor.
Hoje, o Campus AgTech Garage Vale do Piracicaba (SP) já recebe visitas de equipes diversas das empresas parceiras (Foto: AgTech Garage)
Em um mundo onde a informação (e a desinformação) se propagam de forma viral, o marketing precisa atuar como um radar identificando as oportunidades e ameaças que as mudanças de comportamento geram. A partir daí, a empresa tem os insumos necessários para atualizar sua oferta ou mesmo reposicioná-la. Feito isso, pensar a experiência do cliente com o produto é tão importante quanto lançar a inovação em si. Isso porque, sem a comunicação adequada, um produto inovador pode parecer desinteressante ou até ser incompreendido. Ninguém precisava da internet antes de ela ser inventada e, hoje, o desafio é lidar com a desconexão.
Para que a inovação, principalmente a tecnológica, ganhe mercado e alcance um público maior ao longo do tempo, ultrapassando a fronteira dos early adopters, também é essencial recorrer a estratégias de marketing. Identificar para quem vender, como vender e a que velocidade são definições que vêm do time de MKT.
Por último, também é competência do marketing posicionar a empresa como uma marca inovadora e de referência, reconhecida pelos clientes no mercado em que atua. A conquista da atenção dos consumidores é fruto das batalhas travadas pelo time de marketing. Em meio a tantas opções no mercado, fazer uma marca ser lembrada é essencial. Porque, claro, de nada adianta ter o melhor produto se você não é reconhecido por isso. A habilidade de consolidar a imagem da empresa no mercado e conquistar os clientes com novos produtos e serviços é uma habilidade de marketing.
A conclusão a que podemos chegar é que inovação precisa ser um projeto organizacional, com esforços coordenados, colaboração entre áreas e governança corporativa afinada. Cabe, então, desconstruir a ideia de que a área de inovação sozinha trará os resultados esperados. Especialmente porque os principais desafios dos gestores de inovação são internos.
A constituição de um comitê de inovação com a alta liderança, incluindo representantes de todas essas áreas, desde que bem gerido, pode contribuir, e muito, para provocar as transformações necessárias. A coesão dos diferentes departamentos e a busca pelos mesmos objetivos de inovação é o que vai responder, em grande parte, pelo sucesso das empresas, hoje e no futuro.
Bruno Abreu é graduado em Zootecnia pela Universidade Estadual de Maringá (PR) e tem especialização em Economia Agrícola e Meio Ambiente. Atualmente, ocupa o cargo de Head of Community do AgTech Garage.
No hub, lidera os serviços e programas de inovação aberta e dedica-se à implementação de estratégias para desenvolvimento de negócios entre empresas líderes do agronegócio, startups, academia e demais atores do ecossistema de inovação.