Case da bioeconomia demonstra geração de valor do Programa Soja Sustentável do Cerrado para produtores rurais

O PSSC, realizado pelo Land Innovation Fund e o PwC Agtech Innovation, está prestes a encerrar o 6º ciclo com a celebração de parcerias duradouras no ecossistema de inovação

Novembro 18, 2024

Da esq. para a dir. Walter van Halst, produtor rural integrante do PSSC, e Claudio Fernandes, fundador da Bio2me (Foto: PwC Agtech Innovation)

Por Marina Salles e Fernanda Cavalcante

Quando se pensa nas startups, em geral vêm à mente soluções tecnológicas envolvendo softwares ou hardwares com potencial de escala. Mas, na Bio2me, a realidade é diferente. A startup fundada pelo carioca Claudio Fernandes tem como missão desenvolver a cadeia de bioativos do Cerrado e começou por um produto ainda pouco conhecido: o baru. Para isso, desenvolveu desde um protocolo de coleta na natureza, plantio de mudas, quebra do baru, transporte, torra e embalagem até a venda. 

O fruto do baruzeiro dá uma castanha rica em proteína, que pode ser consumida como superalimento, ingrediente da indústria cosmética ou de medicamentos. A polpa é fonte de energia para ração e tem uso também como carvão vegetal. No caso da árvore, faz a sombra ideal para o gado, na medida em que serve de abrigo para o calor, deixa passar a luz e crescer o capim. 

Os baruzeiros podem estar em áreas com diferentes vocações, seja na faixa produtiva das fazendas, em reservas legais ou áreas de conservação. Como agulhas no palheiro, as árvores precisam ser encontradas no meio da paisagem, que perpassa mais de 10 Estados do país ao longo de 2 milhões de quilômetros quadrados, para se tornarem uma fonte de renda.

Baru, fruto do baruzeiro, árvore nativa do Cerrado brasileiro (Foto: Bio2me)

Hoje, a Bio2me realiza voos de drone para identificar o potencial da bioeconomia em propriedades próprias, de terceiros e terras que pretende arrendar. Estes voos apoiam a gestão da reserva legal e identificação de polos produtivos. Num movimento planejado, produtores rurais adeptos do desenvolvimento da cadeia do baru também podem escolher estrategicamente onde plantar novas mudas, para que fiquem em locais acessíveis aos coletores parceiros.

Considerando que são necessários 30 quilos do fruto inteiro para se obter 1 quilo de castanha, Fernandes estima que um negócio escalável demande cerca de 1.000 árvores produzindo uma média de 4,5 a 6 toneladas de castanhas por ano e cerca de 140 toneladas de polpa triturada para a suplementação animal.

“Era difícil reconhecerem a gente como uma startup do agro. Porque a gente não planta soja, não cria gado. Nós cultivamos o Cerrado, e essa mensagem era difícil de passar. Quando participamos de uma iniciativa cujo nome é Programa Soja Sustentável do Cerrado, o PSSC, no PwC Agtech Innovation — hub de referência no agronegócio em Piracicaba, Vale do Silício das Agtechs — não sou mais eu que estou falando que a Bio2me é uma startup do agro, é o ecossistema de inovação que está vendo a gente assim. Então, hoje, graças ao PSSC, eu posso dizer que encontramos nosso espaço”, diz o empreendedor.  

Vicente Parente, investidor anjo; Claudio Fernandes, fundador e CEO; Ricardo Gomes, COO, e Marcio Campos, fundador e CFO da Bio2me vestem a camisa #Mato Que É Agro, em referência ao cultivo das plantas nativas do Cerrado (Foto: Bio2me)

Pessoas e tecnologia para promover o ganho de escala

O PSSC é realizado pelo Land Innovation Fund (LIF) e o PwC Agtech Innovation e tem apoio estratégico da Cargill, Embrapa, Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) e do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPQD). O objetivo do programa é encontrar soluções inovadoras que gerem valor para a floresta em pé e sustentabilidade para a cadeia produtiva da soja.  

“Diferente de outros biomas, a maior parte do Cerrado está dentro de propriedades rurais e, então, se torna ainda mais prioritário apoiar e desenvolver soluções que integrem produção e conservação. Nesse cenário, o PSSC abriu as portas para que as startups, como a Bio2me, recebessem, além do apoio financeiro, todo o suporte técnico e mercadológico dos nossos parceiros e acesso a quem toma as decisões no campo – os produtores e produtoras”, diz Mariana Galvão, Diretora Adjunta de Programas e Projetos da iniciativa. Mariana lembra que inovar vai muito além de criar soluções totalmente disruptivas, e que o case da Bio2me dá luz à riqueza natural do Cerrado e ao potencial de geração de uma nova economia a partir do engajamento dos stakeholders.  

Vestindo a camisa #Mato que é Agro — slogan inspirado na participação no PSSC, iniciada em 2023 — o time da agtech Bio2me tem avançado em dois desafios principais: articular pessoas e investir em tecnologia para promover seu ganho de escala. 

Com o apoio financeiro do programa, liderado pelo LIF e o PwC Agtech Innovation, a startup pôde fazer aquilo que é fundamental para sua estratégia de negócios: colocar o pé na estrada e criar relacionamentos, sobretudo com o produtor rural.

“São viagens longas. É preciso pegar avião, passar o dia inteiro viajando e às vezes rodar mais 600 km de estrada para encontrar as pessoas chave para fazer a roda girar. A gente era muito focado em Goiás e o programa nos levou para Mato Grosso, Maranhão e Tocantins. Tudo isso fez diferença e fará diferença para o desenvolvimento da Bio2me”, diz Fernandes. 

Uma vez nas cidades do agro onde a soja e o boi geram riqueza e prosperidade, o carioca Claudio Fernandes tem buscado conquistar a confiança de produtores e comunidades do entorno sobre a perspectiva de o baru chegar a ser para o Cerrado o que o açaí foi para a Amazônia. 

“É engraçado, porque nossa equipe chega nos lugares para dar treinamento e falar da cadeia do baru da semente à mesa, e as pessoas me olham assustadas, de certo pensando: ‘o que esse carioca está fazendo aqui?’ Quando eu vejo um sorriso na foto no final, é recompensador”, diz. 

Foto tirada ao final do treinamento realizado em Aparecida do Rio Negro (TO) (Foto: Bio2me)

A construção da confiança

Claudio conta que em uma das incursões para fazer relacionamento com produtores, se deparou com a segurança de um fazendeiro. A dúvida do segurança era o que ele fazia ali com seu “capanga”, naquela estradinha que ia do nada a lugar nenhum. 

Com bom humor característico dos cariocas, ele respondeu que vinha do Rio de Janeiro e que, no caso, estava acompanhado do seu “mateiro”. Esses profissionais atuam na Bio2me identificando plantas nativas do Cerrado por meio de fotos e essa inteligência depois alimenta modelos de aprendizado de máquina que permitem identificar, nas imagens dos drones, onde estão os polos produtivos de baru e outros bioativos. 

Nas andanças da Bio2me pelo Cerrado, os olhares curiosos acompanham cada passo da equipe. Entre outras dúvidas, está a pergunta sobre serem uma nova geração de extrativistas. “Extrativismo é retirar, e a gente devolve para o Cerrado as espécies nativas. Recomendamos aos coletores e produtores deixar cerca de 30% da produção de baru no chão, para manter o ciclo regenerativo do sistema da planta no Cerrado”, explica. 

Para quem tem vontade de ganhar dinheiro com o baru, mas não tem tempo ou mão de obra disponível, a dica é delegar os cuidados à natureza. “Tudo o que você tem que fazer é plantar o baru, depois a natureza cuida para você. Pela literatura, o baruzeiro é produtivo dos 7 até os 70 anos de idade, mas já vimos árvores com mais de 100 anos dando fruto”. 

Nas conversas com as comunidades e agricultores locais, surgem as mais diversas perguntas sobre a espécie nativa que antes passava despercebida na paisagem. Quando e como plantar? Por ter polinização cruzada, planta-se no mínimo duas mudas? Pode enxertia? A semente vai melhor no solo drenado? Até dicas como: “Quer achar baru? Então, corre atrás da cutia”, disse um dos participantes ao final do treinamento organizado pelo produtor Walter van Halst, integrante do PSSC, em Aparecida do Rio Negro (TO). 

Na fazenda de Walter, o plantio começou em 2023 e uma nova leva de mudas foi plantada em 2024. Voos de drone também identificaram as árvores nas áreas protegidas da fazenda. “Sempre fui muito entusiasta de tecnologia. Hoje, com mais idade, percebo que o ritmo acelerado de lançamentos de novos produtos pode ser exaustivo. No entanto, para o setor agro, ou qualquer outro setor, essa convergência de ideias e o fomento à inovação são extremamente positivos. A informática tem desempenhado um papel crucial nesse processo”, diz. 

Para aquelas pessoas, potenciais produtoras ou coletoras, era tudo muito novo e ao mesmo tempo familiar. “Desde que me entendo por gente, colho o baru no chão e quebro com facão ou pedra”. “Já eu, sempre vi no mato, mas prefiro comprar na estrada, nas garrafas pet”. Atenta aos relatos, a professora Lauana Costa Nogueira, engenheira florestal e mestre em Ecologia da Bio2me, explica que o baru cai da árvore sozinho no ápice da seca, depois de crescer por seis meses no período chuvoso. 

“O baru cai quando os animais mais precisam de alimento. Suas raízes profundas, com cinco vezes o tamanho da árvore, são capazes de manter a resiliência durante a seca. A gente diz que, se a Amazônia produz chuva, o Cerrado é que guarda essa água, nos lençóis das bacias, como a do Tocantins-Araguaia”, diz Lauana. Segundo ela, os amantes de baru começam a safra comendo a castanha do Tocantins e terminam comendo a de Minas Gerais. Nos Estados mais quentes, o baru cai em julho e, nos de clima um pouco mais ameno, a colheita pode ir até o mês de outubro.  

Professora Lauana Costa Nogueira explicando as fitofisionomias do bioma Cerrado (Foto: PwC Agtech Innovation)

A hora certa de coletar é quando o fruto está no chão e, para garantir o uso dentro da cadeia da Bio2me, existe um protocolo correto de armazenamento. “Pedimos que o baru seja armazenado em sacos sem resíduos, sem frutos roídos pelas vacas e outros animais”, diz Fernandes. A startup paga 60 centavos pelo quilo do fruto nas cidades onde mantêm pontos de coleta e 70 centavos no galpão onde faz o processamento, em Goiás.  

O empreendedor é transparente quanto ao preço final da castanha negociada na ponta, que varia de R$ 150 a R$ 200 o quilo. A diferença entre o preço pago ao produtor/ coletor e o valor vendido ao consumidor final se distribui entre uma série de intermediários: desde o carregador do caminhão nos pontos de coleta, até os responsáveis pela separação dos frutos nos galpões de processamento, das equipes que cuidam da quebra, torra e embalagem até chegar aos times de venda. Somam-se à conta ainda os impostos relativos a cada etapa do processo.

Independentemente da participação no treinamento da Bio2me, os coletores e produtores capacitados ficam livres para comercializar sua produção da forma como bem entendem. Fernandes recomenda que aqueles que desejam comercializar a castanha por conta própria, quebrem o fruto mais perto da hora de vender para manutenção da qualidade. Outra recomendação é fazer a venda dentro de saquinhos de papel, para aumentar o valor agregado do produto. O costume de guardar a castanha em garrafas pet, alerta a professora Lauana, pode comprometer o sabor e propriedades do baru, além de contaminar a produção. 

Produtores que cultivam o Cerrado

Manter relacionamento próximo com as comunidades do entorno de áreas produtivas, de reserva e conservação é parte importante do trabalho da Bio2me, mas tão ou mais relevante é estar lado a lado dos produtores rurais. “Ninguém gosta que entrem na sua terra sem pedir permissão, isso gera conflito. Daí a necessidade de haver comunicação entre os coletores, a startup e os produtores rurais”, afirma Fernandes. E foi por meio da construção de pontes como essa que Bio2me realizou os treinamentos no contexto do Programa Soja Sustentável do Cerrado.   

“Criamos uma ligação com os produtores de soja, compartilhando nossos aprendizados e mostrando como o trabalho da Bio2me pode ser complementar ao deles. Esse entendimento mútuo foi transformador e deve abrir portas com outros produtores. Ter o case da Lígia Pedrini, do Mato Grosso; do Luis Fernando Devicari, do Maranhão; e do Walter van Halst, do Tocantins, gera um valor enorme, até difícil de mensurar”, diz Fernandes.

No PSSC, a escolha criteriosa dos produtores participantes foi fundamental para promover a troca de feedbacks construtivos e oportunidades de negócio. De acordo com Fernandes, os produtores do PSSC (Walter, Lígia e Luis Fernando) abraçaram a ideia de dialogar e participar do treinamento nas imediações de Aparecida do Rio Negro, Diamantino (MT) e Brejo (MA), onde ficam suas propriedades e podem ser desenvolvidos polos produtivos de baru. Ao todo, 60 pessoas participaram das capacitações.

Concluído o ciclo formal do programa, o empreendedor da Bio2me afirma que leva para casa ainda todo o networking com os patrocinadores, outras startups e o hub PwC Agtech Innovation. “Agradecemos ao hub e ao LIF pela oportunidade de interagir com stakeholders de alto nível e ter tido acesso a recursos que nos proporcionaram realizar os treinamentos e estar com os produtores no campo. Falando dos patrocinadores, ficamos felizes de termos aproveitado ao máximo todas as oportunidades”, diz.

No caso dos credenciados Embrapii, entre eles o Instituto Federal de Educação da Paraíba (IFPB), a Bio2me conquistou um contrato assinado para desenvolvimento de uma máquina de quebrar baru automática. Com o CPQD, outro credenciado Embrapii, foi fechado um contrato na frente de conectividade. Enquanto a Embrapa tem apoiado a missão de longuíssimo prazo de desenvolver a cadeia do baru.

Nathália Lopes, Coordenadora da Comunidade de Produtores do PwC Agtech Innovation, afirma que, ao longo dos seis ciclos do Programa Soja Sustentável do Cerrado, foram desenvolvidos 24 projetos com 28 startups, que contaram com aporte de recursos não-reembolsáveis do Startup Finance Facility (SFF) no valor de quase US$ 1,5 milhão em contrapartidas financeiras e técnico-científicas. “O case da Bio2me ilustra, na prática, como uma startup pode implementar sua solução junto ao produtor rural, impactando significativamente não só as fazendas, mas as comunidades do entorno”, diz. 

O PSSC tem como objetivo promover a inovação e desenvolver soluções que contribuam para a redução do desmatamento na cadeia produtiva da soja no Cerrado, conectando startups, produtores, pesquisadores, corporações e outros atores do ecossistema. “Nos últimos anos, foram desenvolvidos projetos em diversas áreas, como proteção da biodiversidade, saúde do solo, mercado de carbono, restauração e plantio de espécies nativas do Cerrado”, comenta Aline Amorim, especialista de inovação corporativa do PwC Agtech Innovation.

A transformação em curso no Cerrado

A cada novo treinamento, Fernandes tem a sensação de plantar uma semente que pode ajudar a desenvolver o seu negócio e que também representa sonhos. Entre as palavras que ressoaram após a capacitação no Tocantins estão: esperança, aprendizado, conhecimento, perspectiva. Para o produtor Marcelo Gonçalves, a Bio2me traz uma oportunidade de renda nas áreas de preservação. “Eu buscava uma alternativa para as áreas de preservação permanente. Hoje, saio daqui com essa sementinha plantada na minha cabeça. Acho que não só na comunidade de Aparecida do Rio Negro, mas em outras regiões que têm o baru, essa é uma nova alternativa para explorarmos”, diz. 

Dona Maria Valdeima Barbosa Aguiar, compartilha da visão do colega. Na sua chácara, já disse que vai plantar as duas mudas de baru que ganhou no treinamento e tem planos de expandir a produção. “Meu plano é coletar mais sementes e aumentar o plantio no futuro”, caminho que o senhor João Alves Batista, também está pronto para trilhar. “Eu conheço o baru desde que me entendo por gente, mas não tinha um entendimento sobre o potencial dessa castanha. Gostaria de ter aprendido isso pelo menos 10 anos atrás”, afirmou. 

Do alto dos seus quase 70 anos, o senhor João nutre expectativas de que as próximas gerações possam colher o sonho que ele planta hoje no quintal. “Ganhar conhecimento de forma tão rica sobre o baru foi maravilhoso. Agora posso transmitir esse aprendizado para as próximas gerações. As mudas que ganhamos serão apenas o início da minha produção, que quero deixar para meus filhos e netos”. 

Para Fernandes, os depoimentos e os sorrisos ao final do dia representam o início de um longo trabalho de articulação. “Nossa participação no programa termina, mas nosso compromisso com as comunidades e os produtores não. Estamos lidando com seres humanos, vidas e expectativas. É uma grande responsabilidade retornar e dar sequência ao projeto. Estamos preparados para trabalhar com eles e continuar dando apoio desde que também se articulem”, diz o fundador da Bio2me. Pela sua experiência prévia, é natural que cada comunidade se desenvolva no próprio ritmo, sendo chave para o sucesso da iniciativa a continuidade da relação de confiança. 

Para o produtor que organizou o treinamento no Tocantins, o sentimento é de parte do dever cumprido. “Quando fui convidado a participar deste projeto, considerei incrível poder colaborar, opinar e pensar em conjunto. Às vezes, uma ideia que parece interessante para alguns pode não ser viável na prática. Ter a oportunidade de contribuir com minha experiência tem sido valioso para todos os envolvidos. Acredito que estamos no caminho certo e estou muito satisfeito com o progresso que temos alcançado. As inovações fomentadas pelo PwC Agtech Innovation são essenciais para o desenvolvimento contínuo do setor agro”, afirma Walter. 

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Dirceu Ferreira Junior

Dirceu Ferreira Junior

COO do PwC Agtech Innovation e sócio, PwC Brasil

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