Julho 22, 2025
Pitch Reverso dos produtores durante o Conexão 2025. Da dir. Para a esq. Lais Andrade, Camila Brunozzi, Marcela Vicente, Gilberto Saliba e Rogério Ferrari. (Foto: PwC Agtech Innovation)
Por Fernanda Cavalcante e Nathalia Ribeiro
Com o tema “Cooperar para avançar: juntos, reinventando o agro”, o Conexão Corporates, Startups & Farmers 2025, promovido pelo PwC Agtech Innovation, reuniu líderes de grandes empresas, startups e produtores rurais para discutir o futuro do setor. O objetivo do evento foi estabelecer conexões entre diferentes agentes do ecossistema de inovação aberta do agronegócio.
Um dos diferenciais desta edição foi a participação ativa do produtor rural em todo o evento. Mais do que convidados, desempenharam papel central nas atividades. Na Arena do PwC Agtech Innovation, dedicada aos pitches reversos, os produtores ocuparam o centro do palco. Trazendo a perspectiva de quem vive, todos os dias, as complexidades da produção agrícola.
Cada relato foi um lembrete de que inovação no agro não se resume a tecnologia de prateleira. Por trás de cada desafio técnico, há um emaranhado de fatores sociais, econômicos e regulatórios que moldam a realidade do campo. E é só com escuta ativa, empatia e soluções construídas em parceria que essas barreiras podem ser superadas.
O Pitch Reverso dos Produtores mostrou que “cooperar para avançar” significa, antes de tudo, reconhecer quem está por trás da porteira. É entender suas dores, seus contextos e suas aspirações. A verdadeira transformação não se impõe — ela se constrói em rede, com diálogo e confiança.
Conheça mais afundo alguns dos tópicos abordados:
O agro brasileiro avança em inovação, mas quem vai operar, gerir e dar continuidade a esse progresso? A pergunta, feita por muitos produtores, também preocupa Marcela Vicente, cafeicultora em Guaxupé (MG). “A agricultura é rentável, mas para ter futuro a gente precisa mostrar que pode ser diferente. Se eu não mudar o jeito de produzir, mesmo com tecnologia, não consigo trazer a nova geração para dentro”, afirma.
A dificuldade de atrair jovens não se resume à remuneração — envolve também cultura e percepção. O trabalho no campo ainda é visto como pesado, solitário e com poucas oportunidades de crescimento. Mesmo com máquinas modernas, muitas propriedades, especialmente em áreas montanhosas como a de Marcela, ainda dependem de colheita manual. No caso do café, a produtora compartilhou que esse processo pode representar até 40% do custo de produção, agravado pela maturação irregular dos frutos e pela baixa adaptação das máquinas ao relevo.
O que falta são soluções que tornem o trabalho mais leve, ergonômico e atrativo. Equipamentos adaptados à agricultura familiar e a terrenos desafiadores, políticas que desburocratizem a adoção de novas tecnologias, programas de capacitação contínua e iniciativas que deem ao jovem a perspectiva de empreender dentro da propriedade.
No agronegócio, uma indústria a céu aberto, os efeitos das mudanças climáticas não são uma preocupação distante, mas uma realidade vivida diariamente. Camila Brunozzi, produtora de cana-de-açúcar, cereais e gado de corte no Triângulo Mineiro, resume o sentimento de muitos: “Estamos constantemente em reinvenção. Testamos sensores, técnicas de captação de água da chuva, biochar... Mas, na prática, hoje plantamos sem saber o que realmente vamos colher. A previsibilidade virou luxo”.
Para a produtora a dor é dupla: de um lado, o estresse hídrico, que compromete o desenvolvimento das lavouras; de outro, o estresse térmico, que afeta plantas e animais. Verões mais longos e quentes têm causado abortamento de flores, encurtamento do ciclo dos cereais, queda na produção de carne e aumento de doenças no rebanho. Ao mesmo tempo, a expansão da agricultura sobre áreas antes ocupadas por pastagens expõe solos frágeis, exigindo correções caras e nem sempre viáveis para pequenos e médios produtores.
O que falta é inovação em genética adaptada, manejo regenerativo, tecnologias de microclima e soluções de armazenamento de água em pequena escala. Camila compartilhou algumas estratégias que vem testando: captação inteligente de água da chuva, monitoramento da umidade do solo em tempo real, uso intensivo de matéria orgânica. Mas, como ela mesma reforça, essas soluções ainda são insuficientes diante da velocidade das mudanças climáticas.
A digitalização do agro avança, mas a promessa de eficiência ainda esbarra em um problema recorrente: a falta de integração entre sistemas. O produtor rural hoje lida com uma verdadeira “sopa de letrinhas” de plataformas que não se conversam. Rogério Ferraz, produtor de grãos e pecuarista em Santa Cruz do Rio Pardo (SP), relata: “Tenho mais de 10 plataformas. Uma para pragas, outra para irrigação, outra para telemetria… e nenhuma conversa com a outra”.
Essa fragmentação é reflexo de um ecossistema que cresceu rápido, mas de forma descoordenada. Embora existam soluções interoperáveis, a maioria dos produtores ainda lida com sistemas isolados, que exigem tempo, conhecimento técnico e infraestrutura para consolidar informações. Isso torna a tomada de decisão mais lenta e menos precisa — especialmente em operações complexas, com diferentes culturas e equipes.
Além disso, a conectividade no campo continua sendo um gargalo. Em muitas regiões, o sinal de internet é instável ou inexistente, o que compromete o uso pleno de sensores, telemetria e automação. O que falta são soluções que integrem dados de forma fluida, com interfaces simples, protocolos abertos e conectividade acessível. O produtor precisa de tecnologia que facilite a tomada de decisão.
Apesar dos avanços tecnológicos em determinadas cadeias produtivas — como o uso de máquinas com sensores e sistemas sofisticados de coleta de dados — ainda existem segmentos que enfrentam obstáculos relevantes na elaboração de mapas de colheita. Essas ferramentas são essenciais para manter o histórico das áreas cultivadas e prever a produtividade.
Lais Andrade, gestora da operação agrícola da Fazenda Água Santa (MG), pertencente a João Emílio Rocheto e dedicada à produção de batatas, ressalta as dificuldades em obter uma estimativa precisa da produtividade por área e em tomar decisões de manejo baseadas em informações confiáveis. “A falta de mapas detalhados compromete a análise da variabilidade espacial da produção, dificultando a identificação de problemas relacionados ao solo, à fertilidade ou à presença de pragas e doenças — fatores que poderiam ser corrigidos com intervenções específicas”, explica.
A integração dos dados de colheita com outras informações agronômicas — como clima, características do solo, uso de insumos e práticas de manejo — é crucial para uma gestão mais eficiente dos recursos. Essa abordagem não só impulsiona a produtividade e a sustentabilidade das operações, como também proporciona uma visão abrangente do sistema produtivo, permitindo decisões mais estratégicas e alinhadas aos desafios atuais.
No acampo, produzir bem não garante estabilidade — especialmente para quem está começando. Gilberto Saliba, produtor de hortaliças em estufa em Piracicaba (SP), compartilhou os desafios de empreender com pouca estrutura e muita burocracia: “Fui atrás do Pronaf, mas não posso, porque não tenho um ano de nota fiscal. E o mercado do HF é imprevisível: hoje o pepino está R$ 60 a caixa, amanhã pode estar R$ 40”.
Para pequenos produtores e novos empreendedores rurais, o acesso ao crédito ainda é limitado. Saliba explica que linhas como o Pronaf exigem histórico fiscal que muitos não têm — especialmente quem está começando ou trabalha em áreas arrendadas. Sem garantias formais, a alternativa costuma ser o crédito privado, com juros altos e prazos curtos. Ao mesmo tempo, o mercado de hortifrúti é volátil e desorganizado. Faltam políticas regionais de preços e contratos de fornecimento que deem previsibilidade ao produtor, o que torna o planejamento financeiro ainda mais desafiador.
O que falta são modelos de crédito mais acessíveis e adaptados à realidade de quem está começando. Políticas públicas que reconheçam o potencial produtivo de pequenos empreendimentos e ofereçam garantias alternativas. E, no mercado, mecanismos de comercialização mais estáveis, como contratos de compra, plataformas de venda direta e sistemas de inteligência de preços regionais.
O campo está aberto à inovação — mas com critérios. A disposição para testar novas soluções existe, desde que elas estejam alinhadas com as dores reais do produtor e tragam resultados concretos. Camila Brunozzi e Marcela Vicente reforçaram isso ao relatarem como avaliam propostas de startups. “Recebo propostas todos os dias. O que me faz parar para ouvir é quando a solução está alinhada com o que eu busco”, diz Camila.
Marcela complementa: “A gente precisa de soluções mais acessíveis e que sejam fáceis de operar.” O produtor não tem margem para errar. Um teste mal planejado pode comprometer uma safra inteira. Além disso, muitas soluções chegam ao campo sem considerar as particularidades regionais, o perfil da propriedade ou o momento do negócio.
O que falta são modelos de teste mais colaborativos, com divisão de risco entre produtor, startup e parceiros institucionais. Soluções que cheguem por meio de cooperativas, associações ou hubs de inovação, que já conhecem o perfil dos produtores. E, acima de tudo, uma escuta ativa por parte das agtechs: entender primeiro, para depois propor a solução.
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