Stela Virgílio reforça a presença da mulher na ciência, no empreendedorismo e no agronegócio (Foto: Arquivo Pessoal)
*Por Barbara Lemes
A aproximação entre pesquisa científica e a prática no campo é um dos caminhos para transformar conhecimento em impacto real. No agronegócio brasileiro — marcado por desafios crescentes de produtividade, sustentabilidade e adaptação climática — conectar as inovações desenvolvidas nas universidades à realidade das propriedades rurais pode acelerar a implementação de soluções eficazes e aplicáveis.
Quando pesquisadores saem dos laboratórios e atuam lado a lado com os produtores, ajustando tecnologias às particularidades locais, estabelece-se um ciclo virtuoso de aprendizado, adaptação e resultados concretos. Esse movimento leva para o campo o que há de mais atual sendo estudado nas academias, aproximando ciência e prática de forma estratégica — como mostra a trajetória de Stela Virgílio, CEO da ByMyCell
A startup brasileira, especializada em análise genômica, utiliza sequenciamento de DNA e inteligência artificial para mapear microrganismos do solo e apoiar a agricultura de precisão. Em quatro anos, a ByMyCell já demonstra como a união entre ciência e inovação pode gerar impactos concretos no campo.
A presença feminina em áreas como ciência, empreendedorismo e agricultura tem crescido de forma consistente. Embora ainda existam desafios, trajetórias como a de Stela evidenciam que é possível ocupar espaços de liderança com competência e visão estratégica.
Ao liderar uma startup que alia pesquisa de ponta às demandas reais do agronegócio, a empreendedora exemplifica como a atuação feminina tem se tornado cada vez mais relevante. Sua experiência aponta caminhos para um setor mais inovador, diverso e conectado com o futuro.
O interesse pela área biológica acompanha Stela desde a infância. No último ano do Ensino Médio, quando estava prestes a decidir oficialmente uma carreira, um curso novo da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), em Araras (SP), abria a primeira turma e chamava a atenção: Biotecnologia. “Era o curso que eu precisava: a biologia aplicada às tecnologias industriais, tecnologias genômicas e meio-ambiente. Eu brinquei que o curso havia sido criado para mim. Unia tudo o que eu mais gostava. Passei para a primeira turma da UFSCAR e concluí a graduação em 2010”.
Stela Virgílio durante defesa do Doutorado em Biotecnologia, na Universidade Estadual Paulista (Unesp). Na banca avaliadora, Rafael Rocha, sócio e fundador da ByMyCell. (Foto: arquivo pessoal)
Ainda na graduação, Stela buscava ir além da sala de aula. Participava ativamente de iniciativas que ampliavam seu repertório técnico e profissional. Foi nesse período que desenvolveu uma pesquisa sobre a bactéria Xylella fastidiosa, causadora da CVC em citros, que lhe garantiu uma bolsa de Iniciação Científica da FAPESP e a oportunidade de um intercâmbio na Universidad Nacional de Tucumán, na Argentina.
A trajetória acadêmica seguiu em ritmo intenso: mestrado e doutorado em Biotecnologia pela Unesp, com parte da pesquisa realizada na Texas A&M University, e pós-doutorado em Protozoologia Molecular na USP. Foi nesse ambiente de ciência aplicada e desafios complexos que surgiu o desejo de empreender — conectando o conhecimento acumulado ao impacto direto no campo.
Na USP, durante um evento científico, a pesquisadora conheceu o biólogo Rafael Silva Rocha – sócio e fundador da ByMyCell. Ele era professor na Universidade e trabalhava com microrganismos na época. “Eu nunca parei de estudar e pesquisar sempre foi minha paixão. Participava de vários eventos científicos dentro e fora do país. Foi quando entendi que eu poderia fazer aquilo que eu gostava se transformar em um negócio”, conta.
A aproximação e ideias em comum, entre professor e pós-doutoranda, junto à uma oportunidade de negócio, em meio à pandemia da Covid-19, em 2021, nasceu a ByMyCell, uma startup responsável por oferecer serviços de análise de sequenciamento genômico para empresas, universidades e institutos de pesquisa, visando a redução de doenças e danos nas produções.
A empresária conta que, na época, trabalhava com sequenciamento de amostras e enviava análises de solo para o exterior, pois não tinha laboratório especializado nesse trabalho no Brasil. Durante a pandemia, a demanda defasou. Processos ficaram parados e empresas fecharam. Em meio à inquietude e da incerteza dos resultados do trabalho, surgia a ideia da startup.
“Conversando com o Rafael enxergamos uma oportunidade: desenvolver um serviço completo, que geraria um banco de dados do sequenciamento de DNA, a partir das amostras do solo, e entregaria um resultado lapidado para que os produtores, empresas e pesquisadores tomassem as devidas soluções preventivas e reduzissem danos. Sem precisar enviar amostras para o exterior”, explica Stela.
Stela Virgílio e Rafael Rocha, CEOs da ByMyCell, fundaram startup durante pandemia diante uma lacuna no mercado de análises genômica. (Foto: arquivo pessoal)
Em 2021, a ByMyCell foi incubada no Supera Parque, a agência de incubação da USP, em Ribeirão Preto. No mesmo ano, a empresa recém-lançada começou a atender seus primeiros clientes. Inicialmente, os serviços foram oferecidos a professores da própria universidade, contribuindo com demandas que apoiavam projetos de pesquisa. Com o aumento gradual da procura, a empresa expandiu sua atuação e passou a atender clientes em outras cidades.
“Nos conectamos com empresas, pesquisadores e outros laboratórios e fomos nos apresentando aos poucos, mostrando que entregaríamos uma solução de análise completa e que esse era o nosso diferencial”, compartilha a empreendedora.
Hoje, a startup conta com uma equipe composta por mais de 50 pessoas, entre consultores comerciais, pesquisadores, biólogos, entre outros, e trabalha com duas plataformas: a Rizobiota Agro e BlackGenn. A primeira, é considerada o carro-chefe da startup, e é responsável pelo mapeamento de microrganismos no solo, visando redução nos riscos de doenças, otimização de bioinsumos e ganho de produtividade na lavoura a partir da análise laboratorial e de dados agronômicos.
Já a BlackGenn, é dedicada à prospecção e engenharia de proteínas e de microrganismos, combinando a fronteira do conhecimento de genômica, metabolômica e computação de alto desempenho, a fim de acelerar a biotecnologia brasileira.
Equipe ByMyCell composta por pesquisadores, biólogos e consultores responsáveis por levar análises e soluções antecipadas ao campo. (Foto: arquivo pessoal).
Mesmo sendo uma startup nova, com cinco anos no mercado, Stela pensa no futuro e entende que a inovação é o caminho para atingir lugares ainda não alcançados. Dentro do hub da PwC Agtech Innovation, a empreendedora conta que teve a oportunidade de se conectar com outros empresários do segmento – e muitas outras mulheres - e entendeu o verdadeiro significado de participar dos processos de inovação aberta e de “pensar fora da caixa”.
Durante “Encontro das Mulheres”, no PwC Agtech Innovation, Stela teve oportunidade de se conectar com outras representantes femininas do setor. (Foto: arquivo pessoal)
Hoje, entre reuniões, pesquisas e muita inovação, Stela divide o tempo sendo coordenadora do Pint of Science, em Ribeirão Preto, uma iniciativa que busca aproximar a ciência da sociedade, de forma descontraída e acessível, reunindo pesquisadores e especialistas em bares e restaurantes para discutir temas relevantes em diversas áreas do conhecimento.
Ao unir ciência, tecnologia e visão empreendedora, Stela não apenas criou soluções inovadoras para o setor do agronegócio, como também abriu caminho para outras mulheres que desejam ocupar espaços de liderança e inovação, em espaços historicamente ocupados pelo público masculino.
À outras mulheres que desejam seguir na ciência, na tecnologia, no agronegócio ou no setor empreendedor, Stela incentiva e diz que os espaços devem ser ocupados com coragem de seguir à diante. “Em um país onde o agronegócio é o motor da economia e a ciência, junto à inovação, são a chave para o futuro, o protagonismo feminino não pode ser exceção, deve ser regra. É um trabalho ‘de formiguinha’, e aos poucos vamos entendendo como se posicionar, como conduzir de melhor maneira, ter voz, mostrar qualidade e impor respeito.
A empresária também coordena o Pint of Science de Ribeirão Preto, iniciativa que aproxima ciência à população de forma descontraída e acessível. (Foto: arquivo pessoal)
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