Produtor no centro: inovação e sustentabilidade que geram impacto real

Conheça a trajetória de três agricultores que participaram do Programa Soja Sustentável do Cerrado

Julho 8, 2025

Por Barbara Lemes e Tiago Milani

A transformação do agronegócio começa com quem vive e trabalha no campo. Quando o produtor rural participa desde o início do processo de inovação, os resultados são mais aplicáveis e alinhados à realidade.

Com esse foco, o Programa Soja Sustentável do Cerrado (PSSC) promoveu a colaboração entre empreendedores, pesquisadores, startups e produtores para desenvolver soluções sustentáveis e livres de desmatamento. O Cerrado, um dos biomas mais biodiversos do mundo, enfrenta forte pressão da expansão agrícola — e o PSSC surgiu como resposta a esse desafio.

Criado por meio de uma parceria entre o PwC Agtech Innovation e o Land Innovation Fund, com apoio da Cargill, CPQD, Embrapa e Embrapii, o programa conectou diferentes agentes do ecossistema do agronegócio em uma jornada conjunta de inovação.

Para garantir que as soluções desenvolvidas estivessem de fato conectadas à realidade do campo, o PSSC integrou ao seu modelo o programa For Farmers, iniciativa do PwC Agtech Innovation que coloca o produtor no centro do processo de adoção tecnológica. A proposta é ouvir os desafios enfrentados nas propriedades e conectá-los a startups com potencial para desenvolver soluções sob medida.

Nesse contexto, mais de 20 produtores de soja abriram suas fazendas para testar, avaliar e desenvolver novas tecnologias. Mas o trabalho foi além da experimentação: essas propriedades se tornaram espaços de troca de conhecimento, aprendizado mútuo e construção colaborativa de soluções práticas.

“A integração do For Farmers ao PSSC deu voz aos produtores, permitindo escutar seus desafios e conectá-los com as startups mais alinhadas à sua realidade. Foi uma relação de aprendizado e colaboração em que todos saem ganhando: o produtor, que acessa tecnologias de ponta com curadoria especializada, e as startups, que têm a oportunidade de criar, testar e implementar suas soluções diretamente no campo”, explica Nathalia Lopes, Coordenadora da Comunidade de Produtores Rurais do PwC Agtech Innovation.

Os relatos de três produtores participantes mostram como a inovação, quando nasce junto com quem produz, gera impactos reais e transforma a forma de produzir no Cerrado.

Fazenda Barbosa: melhoria no campo que trouxe resultados e apoio à comunidade local

A Fazenda Barbosa, localizada no município de Brejo (MA), descobriu a oportunidade de participar do PSSC após indicação feita por um parceiro do programa. A princípio, Luís Fernando Devicari, geógrafo de formação e gestor da propriedade, não sabia o que esperar.  

Bastou o primeiro contato com as startups para perceber o potencial transformador da iniciativa. “Estamos localizados em região mais carente, com clima seco e mais distante dos polos tecnológicos brasileiros. Por aqui, enfrentamos períodos de chuva apenas 5 meses durante todo o ano. Achávamos que o que fazíamos já era bom, mas com a chegada das startups, vimos que era possível melhorar. Foi um divisor de águas, não sabíamos que precisávamos tanto das tecnologias até testá-las”, resume.  

A dinâmica do programa ampliou horizontes. A interação com a B4A — especializada em análises genéticas e microbiológicas do solo — permitiu ir além das análises tradicionais. Com a metagenômica, foi possível identificar a composição e o potencial funcional da microbiota do solo, otimizando o manejo biológico. “Logo no primeiro ano de aplicação já tivemos um salto na produtividade. Chegamos a 90 sacas por hectare, cerca de 25 acima da média regional”, comenta Devicari."

Já com a Bio2me, startup que transforma áreas preservadas do Cerrado em fontes de renda sustentável por meio da produção e comercialização de bioativos nativos —, a experiência ultrapassou os limites da porteira. O plantio experimental de baru fortaleceu a conexão com comunidades locais e impulsionou práticas de extrativismo sustentável. Além disso, a iniciativa contribuiu para valorizar outras cadeias nativas, como a do babaçu, ampliando os impactos sociais e ambientais da ação.

A jornada produtiva da Fazenda Barbosa também fortaleceu a visão sistêmica da sustentabilidade. A propriedade já adotava práticas da Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), como plantação de espécies nativas e sombreamento para bem-estar animal. No entanto, o programa trouxe novas possibilidades e conexões.  

“Tudo que a gente planta tem um propósito. Seja sombra, madeira ou alimento, buscamos maximizar o uso da terra com responsabilidade”, compartilha Devicari. A introdução de espécies como baru, fava-d’anta e paricá reforçou o compromisso com a biodiversidade e a resiliência produtiva. 

A parceria com a Bio2Me, por exemplo, já resultou em novos canais de comercialização para produtos locais, como farinha e café de babaçu. “A gente não quer crescer sozinho. Ver as comunidades vizinhas se beneficiando também é parte do nosso propósito”, afirma.  

Mesmo com o encerramento do Programa, o produtor garante que os aprendizados e conexões permanecerão vivos. “O maior ensinamento foi perceber que a gente não sabe tudo — e que a inovação pode vir de onde menos se espera. Hoje, se eu precisar de uma solução, sei que posso contar com esse ecossistema”, conclui.  

Fazenda São Matheus: a experiência que abriu os olhos para novas oportunidades 

Tomé Arantes Neto, gestor da Fazenda São Matheus, em Três Lagoas (MS), foi um dos primeiros ingressantes no projeto For Farmers, do PwC Agtech Innovation. Para ele, participar do PSSC ampliou a visão sobre a importância de ter ações sustentáveis e o uso da tecnologia no campo.

Mesmo sem implementar testes diretamente em sua produção de soja, ele percebeu que o envolvimento do time operacional é essencial para que as soluções façam sentido no dia a dia da fazenda. 

A participação no programa proporcionou visibilidade e abriu portas para o diálogo entre produtores, startups e instituições. Arantes conta que a presença no PSSC, proporcionou networking que direcionou à participação em eventos com grandes organizações, como a World Wide Fund for Nature (WWF) e outros hubs de inovação, levando a perspectiva do campo para espaços onde ela costuma faltar. “A gente mais converge do que diverge”, afirmou, ao defender a participação efetiva de produtores nas discussões sobre o futuro do agro.

Pensando no futuro, o produtor planeja envolver mais a sua equipe técnica e operacional em iniciativas como essa. Ele acredita que a inovação só se torna real quando chega ao chão da fazenda e resolve dores concretas, como clima, crédito e custo de insumos. “Se houver um novo programa, quero começar diferente. Quero trazer quem está no campo para perto da inovação”, conclui.

Fazenda N. Sra. de Fátima e N. Sra. Aparecida: a visão de quem vive o dia a dia no campo

Quando Lígia Pedrini, engenheira agrônoma e proprietária das fazendas Nossa Senhora de Fátima, em Diamantino (MT) e Nossa Senhora Aparecida, em Primavera do Leste (MT), recebeu o convite para participar do PSSC, a primeira reação foi de curiosidade e ceticismo. Acostumada a ver ideias mirabolantes e pouco aplicáveis ao dia a dia do campo, ela se surpreendeu com a proposta de um programa que colocava o produtor no centro da inovação.

“O diferencial foi justamente esse: não era só sobre criar soluções, mas testar com quem está na linha de frente da atuação, ou seja, nós produtores”, conta. Mesmo considerando a fazenda menos tecnológica do que a de outros participantes, a proprietária viu no programa uma oportunidade de contribuir com a visão do pequeno e médio produtor. 

Para Lígia, a dinâmica ao longo do PSSC foi intensa e colaborativa. Desde os pitch days até os encontros presenciais, a produtora participou ativamente da seleção e avaliação das startups. A experiência trouxe à tona desafios antigos sob novas perspectivas, especialmente no que diz respeito à sustentabilidade. “A gente sempre fez práticas sustentáveis, mas não chamávamos assim. Era sobre cuidar do solo, da água, da produtividade. Agora, entendo que isso também é inovação”, reflete. 

A interação com as startups foi um dos pontos altos da jornada. Com a B4A, Lígia realizou análises metagenômicas que revelaram surpresas sobre a microbiologia do solo de sua fazenda. Já com a Bio2Me, apesar de não conseguir concluir o plantio de árvores nativas por questões pessoais e de negócio, ela destaca a proposta como disruptiva e necessária diante de temas como a moratória da soja. “Eles trouxeram uma solução real para monetizar áreas preservadas. Isso é sustentabilidade com viabilidade econômica”, afirma. 

Além dos resultados técnicos, o programa gerou conexões valiosas. A engenheira agrônoma destaca o aprendizado mútuo entre produtores e startups, e como a troca de experiências ajudou a moldar soluções mais aderentes à realidade do campo. 

“Tem ideia boa em todo lugar, mas precisa da orientação certa para dar certo. Vejo que participar do programa fez com que eu levasse a visão dos pequenos e médios produtores para as startups, ao mesmo tempo em que eu aprendia com elas. Foi uma troca de experiência que gerou muitos resultados”, compartilha. Ao longo do Programa, ela também se tornou uma ponte entre o ecossistema de inovação e outros produtores da sua região, levando conhecimento e incentivando a adoção de novas práticas. 

Olhando para o futuro, Lígia acredita que a tecnologia será cada vez mais essencial na gestão das propriedades, independentemente do tamanho. “Toda fazenda vai ter que olhar para a sustentabilidade como parte do negócio. Mas isso só vai funcionar se for vantajoso para o produtor”, defende. Para ela, o caminho está em soluções que respeitem a realidade do campo, valorizem a confiança e tragam retorno — não só ambiental, mas também econômico. 

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Dirceu Ferreira Junior

Dirceu Ferreira Junior

COO do PwC Agtech Innovation e sócio, PwC Brasil

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